São difíceis de suportar os rótulos, as cobranças impossíveis de realizar.
Ninguém quer ser desatento, desorganizado, incapaz de acabar tarefas,
ficar “no mundo da lua”, pensar em fazer uma coisa e não lembrar o quê,
voltar mil vezes pra recolher o que esqueceu.

 

Debatemo-nos com dificuldades pessoais, que podem nos acompanhar desde que nascemos.

Somos gente que, ao longo da vida, se descobre com dislexia, ansiedade, hiperatividade, melancolia, desânimo, o que provoca situações de dificuldades as mais variadas.

 

Somos quem podemos ser, Humberto Gessinger.

Hoje as crianças contam com professores atentos e capacitados para detectar dificuldades e encaminhar adequadamente cada problema para seu tratamento. Isto era impossível há cinquenta anos na maioria dos casos. As pessoas eram condenadas a carregar seus transtornos pela vida afora, tentando transpor barreiras invisíveis causadoras de muito sofrimento e incompreensão.

Vou ilustrar a introdução com meu caso pessoal. Tive ao longo da vida a noção de que a matemática não servia para mim, por não conseguir pensar com clareza, mesmo nas questões mais simples. Com o tempo contentei-me com o fato de me sair bem na área das letras e no estudo das ciências humanas.

Eu ignorava que, ao longo da vida, o raciocínio lógico e exato está sempre presente e as dificuldades foram se acumulando, agravados com o avançar dos anos. As frações contidas nas receitas de bolo me fizeram esperta no assunto, anos depois de me tornar cozinheira.

Dos sessenta anos em diante passei a ter crises de ansiedade bem frequentes, provocadas pela confusão gerada pelas muitas atividades em várias áreas. Minha atuação confusa passou a ser um problema, por que a associei à possibilidade de estar senil, ou demente.

Senti um pavor enorme com a possibilidade de entrar em um processo irreversível de Alzheimer. Muito receosa procurei ajuda médica, que me encaminhou para testes psicológicos especializados e capazes de detectar perdas cognitivas e de memória.

Após algumas sessões, chegou-se a conclusão de que não estou em um processo senil, mas que tenho Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Olha só! E eu nunca soube disso. E nem podia, por que o transtorno só é conhecido há pouco tempo. Tudo explicado, tudo perdoado a mim mesma por odiar matemática e física.

Agora respeito minha quase piração por não me organizar, por trocar tudo de lugar com frequência e por começar muitos livros e não conseguir terminar nenhum.

Banner viver e conviver. 

 

Além do tratamento médico, estou desenvolvendo estratégias para conviver com a agitação e falta de foco. Minha amiga Marciele enviou-me um estudo sobre Biblioterapia e, a partir dele, resolvi usar a literatura – minha paixão – como lenitivo.

Sento-me confortavelmente, não penso em nada além do livro que escolho e mergulho nele até o fim. Saboreio cada frase e cada palavra como gotinhas milagrosas. Já abati uma torre começada aos fragmentos e estou feliz com a façanha.

Estou muito mais tranquila, menos com o fato de não suportar reuniões. Vou ter que trabalhar de alguma forma, por que a cadeira que uso em reuniões me parece coberta de pregos.

Espero ajudar pessoas a encontrar explicação para os perrengues tão comuns à condição humana, sempre imperfeita, sempre incompleta, sempre em busca do autoconhecimento tão necessário para a saúde mental.

Espero que as crianças com problemas de aprendizagem sejam acolhidas e olhadas com carinho, para que cresçam confiantes em suas capacidades e com prontidão para aprender. São difíceis de suportar os rótulos, as cobranças impossíveis de realizar. Ninguém quer ser desatento, desorganizado, incapaz de acabar tarefas, ficar “no mundo da lua”, pensar em fazer uma coisa e não lembrar o quê, voltar mil vezes pra recolher o que esqueceu.

 

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