Educação para sonhar, esperançar e ser feliz

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“A gente não quer só comida, /A gente quer comida, diversão e arte. /A gente quer saída para qualquer parte. /A gente quer bebida, diversão, balé. /A gente quer a vida como a vida quer” (Titãs)

Pergunta-se frequentemente: Qual é a necessidade dos estudantes, particularmente as crianças, adolescentes e jovens excluídos? Aos pobres basta a comida? Basta o acesso à escola ou universidade? Esses são direitos fundamentais, mas não são suficientes.

Os estudantes e excluídos tem fome de dignidade, de serem reconhecidos como “pessoas”, necessitam afeto, amor e felicidade. A alegria, a felicidade e a liberdade são necessidades tão fundamentais como a “comida”, o abrigo, a saúde, a proteção e a reprodução.

Nas últimas cinco décadas as nossas sociedades ficaram obsecadas com a economia, com o Produto Interno Bruto, com melhorias em indicadores de diferentes áreas. Isso criou muito estresse e pôs o foco nas conquistas, mas não na saúde física e mental. Com a pandemia as pessoas têm abordado o bem-estar geral a partir de uma perspectiva individual: spas, academias, mindfullness, resiliência, viagens, prazeres e desejos baseados em mais consumo.

Consumo traz felicidade? 

Para Gilles Lipovetsky, em A Felicidade Paradoxal, a “civilização do desejo” está alicerçada no hiperconsumo, mercantilização dos modos de vida, exacerbação do gosto pelas novidades, cujo Cogito diz: “Compro, logo existo”. Se antes se tratava de consumir para exibir posição social, agora se busca, no imediatismo dos prazeres, maior bem-estar, mais qualidade de vida e felicidade por meio de um consumo intimizado, emocional, voltado para as satisfações privadas.

Para formar a mentalidade humana cuja felicidade se expressa no hiperconsumismo, requer-se uma educação baseada na narrativa do sucesso meritocrático e na retórica da ascensão, a promessa de que as pessoas que trabalham duro e seguem as regras, merecem ascender até onde os seus talentos e sonhos os levarem.

Atenção para a armadilha: esta educação meritocrática reforça o discurso das responsabilidades pessoais e transfere os riscos para os indivíduos, no caso, os jovens estudantes, livrando governos, empresas e instituições de suas corresponsabilidades. Porém, a causa dos níveis exagerados de sofrimento emocional entre pessoas jovens, inclusive de famílias abastadas, tem muito a ver com o imperativo meritocrático: a severa pressão por desempenhar, realizar, alcançar o sucesso profissional individual.

Paradoxalmente, a felicidade está mais no coletivo do que no sucesso pessoal, mais na comunidade e na vida escolar e acadêmica do que no sucesso profissional individual. Logo, a educação, tem o dever ético em contribuir com a felicidade e o bem-estar de nossos estudantes, através de uma pedagogia dialógica, de escuta e de olhar atentos, de respeito aos saberes discentes, das culturas e sonhos de cada sujeito estudante.

Nos últimos anos, cada vez mais sociedades – muitas delas com líderes mulheres – têm se concentrado na qualidade de vida, para além do desempenho ou da posição econômica. Nossa proposta é que, nas escolas, pensemos em como ajudar os jovens a refletir sobre a qualidade de vida deles e seus propósitos, projetos, sonhos, sentindo-se felizes, sujeitos de um modo de viver que os realizem.  

Alegria e tristeza são, pois, os dois afetos, os dois sentimentos fundamentais de todo ser sensível. Eles permanecem totalmente tributários das causas exteriores que os produzem.

Todos os nossos afetos, explica o filósofo Espinosa, são fruto de nossa natureza própria, de nossa condição humana, de nosso ser e de nossa potência de agir específica. Portanto, cada um de nós deve aprender a se conhecer para descobrir o que nos faz feliz ou infeliz, o que lhe é apropriado ou não, o que aumenta a alegria e diminui a tristeza. Por esta razão não deseje a felicidade de Outrem, pode não ser a sua e ainda ser nociva para você, adverte o filósofo da alegria.

Na perspectiva educacional, a principal contribuição, segundo o filósofo Espinosa, é a recuperação da importância das emoções ao desenvolvimento humano e social. Ele associa de forma original e genial as paixões tristes à servidão, porém isto não significa que ele demoniza as emoções ou nos incita a combatê-las. Ao contrário, ele coloca na afetividade a possibilidade de superação de todas as formas de desmesura do poder, individual ou social.

O objetivo de sua filosofia e da educação é a desvalorização das paixões tristes e a denúncia daqueles que a cultuam e delas dependem, no jogo político das relações de poder. Mas também é o estímulo a afetos positivos, derivados da alegria, por considerá-la a base da autonomia. Daí sua recomendação de que, para se atingir a democracia, é preciso fortalecer emoções alegres e a felicidade – recomendações importantes à educação. 

Não é semeando o medo que se reforçam laços de solidariedade, porque ele destrói o desejo, reduzindo os seres humanos à condição de feras ou de autômatos. Também não é propondo receitas ou ditando imperativos de seja feliz.

É preciso repensarmos a escola, não somente como fonte de sucesso ou evolução de toda uma sociedade, mas como um dos primeiros locais institucionalizados pelos quais passa um ser humano em formação, seja ele criança, adolescente ou jovem. É um dos locais em que ele estabelecerá as primeiras relações, após a família; é onde terá importantes experiências de vida em grupos.

Esperamos que a escola forneça importantes orientações na vida deste estudante e os auxilie a desenvolver-se como cidadão, ser humano, de forma a desenvolver conhecimentos, autonomia e capacidades de reflexão.

A vida escolar e a vida universitária são momentos extraordinários para promovermos a convivência, a formação de laços de amizade e afetividades positivas, relações desinteressadas e sólidas, vida escolar e vida universitária como referência e propósitos prazerosos, em instituições justas e ambientes agradáveis de convivência, orientados por perspectivas de gestão acadêmica humana, profissional, comunitária, horizontal, democrática e feliz. Enfim, quanto mais humanos formos no espaço e no tempo de vida escolar e universitária, mais felizes seremos.

Como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo. Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por um imperativo existencial e histórico, dizia Paulo Freire. Por uma educação para esperançar, sonhar e ser feliz. É possível!

Consumir: um desejo universal, que nos cerca em todo o lugar. Consumimos para suprir necessidades básicas, mas também para sermos felizes e encontrar o nosso lugar no mundo moderno. Neste programa, Leandro Karnal percorre o universo de lojas populares, conversa com especialistas e personagens da alta sociedade em busca da resposta para a pergunta: o que nos faz comprar? https://youtu.be/Uv3KGDYihCk?t=5

Autor: Gabriel Grabowski. Também escreveu: “O que nos educa é a esperança”: https://www.neipies.com/o-que-nos-educa-e-a-diferenca/

Edição: A. R.

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