A cabeça de Gumercindo Saraiva

1785

A História do Rio Grande do Sul foi mal ensinada nas escolas, dizem meus amigos. Não posso falar, pois fiz meu ensino fundamental e médio em terras barriga verdes. E lá não foi diferente. Não lembro se me falaram de Anita Garibaldi.

Pergunta 1 – Quando você estudou História Rio-grandense na escola alguém falou de Gumercindo Saraiva?

Pergunta 2 – É Guerra ou Revolução Farroupilha? É Guerra Civil de 1893-95 ou Revolução Federalista?

Pergunta 3 – Em que “Guerra” ou “Revolução” ele perdeu a cabeça?

Há dois anos, escrevi “As Cinco Tumbas de Gumercindo Saraiva”, para comentar o livro a história esquecida pelos gaúchos sobre o maragato Gumercindo Saraiva – https://claudemirpereira.com.br/2021/05/literatura-as-cinco-tumbas-de-gumersindo-saraiva-o-livro-e-a-historia-esquecida-dos-gauchos/

Tratava-se do livro de Ricardo Ritzell.

Pouco depois li o livro do Tabajara Ruas: “Netto perde sua alma”, mas não tinha lido até agora “A cabeça de Gumercindo Saraiva” do mesmo Tabajara Ruas e Elmar Bones.

A História do Rio Grande do Sul foi mal ensinada nas escolas, dizem meus amigos. Não posso falar, pois fiz meu ensino fundamental e médio em terras barriga verdes. E lá não foi diferente. Não lembro se me falaram de Anita Garibaldi.

Até bem recentemente, nas escolas era quase sempre uma grande decoreba de datas, nomes; mas nada muito substantivo. Temos muitos livros que falam de nossa história (do Rio Grande do Sul, pois depois de 50 anos por aqui, sou parte dela e deste Estado). Sei de muitos mitos e lendas que se sobrepujam aos fatos reais.

Em 1983, Tau Golin escreveu “Bento Gonçalves O Herói Ladrão”, e ele e o livro sofreram uma verdadeira caça. Em 1997, sai este “A cabeça de Gumercindo Saraiva”, com patrocínio da Copesul. Em pouco tempo, alguma coisa havia mudado.

O livro é preciso nas suas buscas e pesquisas em documentos, como ficou rico em entrevistas com parentes seus e de pessoas que sabiam algo mais concreto.

O livro tem outro mérito ao colocar as posições das facções em disputa na Guerra Civil de 1893-95, mostrando quem eram os chimangos e quem eram os maragatos.

Os autores não tomam posição, mas como leitor, pelos dados apresentados, fico cada vez mais convencido do autoritarismo dos pica paus, seguidores do castilhismo, cuja vertente política e ideológica impregna nossas vidas locais até os dias de hoje.

Ficou evidente mais uma vez nesta leitura que apesar do caudilhismo dos Saraiva, dos Tavares e de seus amigos, eles tinham como pressupostos a luta pelas liberdades herdadas de Gaspar Silveira Martins, não aceitavam a ditadura castilhista e floriana.

Alguns até poderiam questionar a República, o que não era difícil, pois não era esta República a de Benjamin Constant e de outros republicanistas. Eles acabaram tendo a simpatia de dissidentes do castilhismo, algo que se reforça nas batalhas de 1923. Não era um bando de latifundiários nem de mercenários. Mercenários havia nos dois lados. Não podemos esquecer que tiveram ao lado de Gumersindo e dos maragatos Custódio de Melo e Saldanha da Gama.

Quanto às degolas temos dados elucidativos, como aqueles citados nos estudos de Carlos Reverbel, citados pelos autores. Se do lado de Gumersindo havia um Adão Latorre, Zeca Tavares e outros homens violentos, do lado de Pinheiro Machado havia o sanguinário do Firmino de Paula e Varzulino Dutra.

Eram tempos sombrios, de matanças e crueldades, mas o mundo vivenciou a Banalidade do Mal anos depois com o nazismo. As guerras de ódio, de matanças por questões étnicas e religiosas continuam. Logo, a sobrevalorização e a forma sentimental de analisar nossa História não nos tem ajudado em nada. Como nada nos ajudou até hoje se posicionar século e tanto depois por uma facção ou outra. Recentemente, na Nicarágua, vemos Daniel Ortega virar um ditador quando estivemos anos atrás pelo mundo com ele e os sandinistas na luta para derrubar o somozismo.

Que pelo menos possamos ler autores como os citados, que possamos continuar lendo e estudando. Que a população saiba que maragatos usavam lenço vermelho e os chimangos, o branco. Nem esta coisa elementar se sabe hoje em dia.

A historiografia rio-grandense tem que ser revisitada, algo que vejo neste livro e alta qualidade.

Autor: Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito. (– no dia dos 50 anos do golpe no Chile.) Autor da crônica: Os gaúchos: https://www.neipies.com/os-gauchos/

Edição: A.R.

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