Aposta alta: quando o que parece certo desafia o que é legal

Caros leitores, nesta coluna, temos a honra de contar com a colaboração do advogado criminalista Mateus Contessa de Almeida, profissional no campo do Direito e profundo olhar crítico sobre as interfaces entre legalidade, ética e comportamento social. Tivemos o privilégio de conhecê-lo por meio de um amigo em comum e, desde então, trabalhamos juntos no mesmo projeto de Júri Simulado na escola que leciono. Mateus demonstrou não apenas domínio técnico, mas também uma rara sensibilidade ao tratar de temas complexos com profundidade e ética.

Notem que, com sensibilidade e coragem, ele nos provoca a refletir sobre um dilema cada vez mais comum no cenário digital: quando seguir a lei já não basta. Em tempos em que influenciadores digitais arrastam multidões para práticas questionáveis — como o incentivo ao vício em apostas online —, seu texto levanta uma questão crucial: seria moralmente aceitável continuar calado diante do que é legal, mas eticamente duvidoso?

Sua análise, que vai além dos códigos e se ancora em valores, nos convida a pensar sobre os limites da influência, da responsabilidade social e da integridade profissional — temas urgentes num mundo em que a visibilidade, muitas vezes, se sobrepõe ao bom senso.

(Deise Bressan)

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“Parte-se da premissa de que nem toda conduta moralmente reprovável é juridicamente punível, destacando-se a importância da legalidade, da tipicidade e das garantias processuais como barreiras contra o punitivismo midiático e o justiçamento simbólico. A espetacularização da investigação, especialmente em casos envolvendo influenciadores digitais, serve como alerta para a erosão dos princípios fundamentais do processo penal em nome de uma suposta moral pública.

A recente CPI das Apostas Esportivas (ou das Bets) trouxe à tona mais do que suspeitas de corrupção no futebol e esquemas de manipulação de resultados. O que emergiu, de forma mais inquietante, foi um velho dilema com roupagem nova: até que ponto o que a sociedade moralmente reprova deve ser tratado como crime?

Em meio a manchetes espalhafatosas, julgamentos sumários e indignações impulsionadas por redes sociais, o debate jurídico cede lugar à pressão pública, que exige respostas rápidas e punições exemplares — ainda que à revelia do devido processo legal.

O senso comum, amparado por valores morais frequentemente legítimos, clama por justiça instantânea, por castigos duros, por culpados identificáveis. Mas o Direito Penal opera sob outro ritmo. Exige tipicidade, contraditório, presunção de inocência e respeito às garantias constitucionais. Essa tensão entre moral e legalidade não é nova, mas se agrava quando se transforma em política criminal moldada pela opinião pública. Afinal, nem tudo que é imoral é ilegal — e nem tudo que é legal se harmoniza com o sentimento popular de justiça.

A moral, como bússola coletiva, orienta sentimentos, tradições e repulsas. Ela é instável, subjetiva e mutável. Dita estigmas e estabelece parâmetros do que é ou não correto. O que hoje causa revolta, amanhã pode ser tolerado. O que uma comunidade condena, outra pode aceitar. E é nesse terreno instável que muitos acreditam ser razoável erigir critérios penais.

O problema é que, quando a moral passa a guiar o poder punitivo, abre-se um flanco perigoso para a seletividade, para o punitivismo emotivo e para decisões contaminadas mais por ressentimento do que por provas. Substitui-se o julgamento técnico pelo justiçamento popular — e o réu passa a ser culpado antes mesmo de ser acusado formalmente.

Essa lógica ganhou contornos ainda mais evidentes com a recente convocação de influenciadores à CPI, como no caso de Virginia Fonseca, chamada para prestar esclarecimentos sobre a promoção dos chamados jogos do tigrinho — modalidade de jogo de azar amplamente difundida nas redes sociais.

O que se viu foi menos uma oitiva de apuração e mais um espetáculo transmitido em tempo real: depoimentos transformados em memes, reações que viralizaram e manchetes que criminalizaram antes que qualquer juízo técnico fosse formulado. Nesse cenário, a espetacularização ofusca o devido processo e a própria finalidade investigativa da Comissão Parlamentar de Inquérito.

A reação pública à CPI das Bets ilustra bem essa espécie de contaminação moralista.

Parte expressiva da sociedade já elegeu culpados, exige punições exemplares e repudia qualquer tentativa de garantir o direito à ampla defesa. O problema é que muitas das condutas rotuladas como “vergonhosas” ou “antiéticas” não configuram crime algum. Outras, embora mereçam crítica social, exigem robustez probatória para ensejar responsabilização penal. Mas, quando o debate público se fecha à nuance jurídica e se abre à lógica do linchamento, perde-se o essencial: o compromisso com a legalidade.

O Direito Penal não foi criado para vingar a moral ofendida, mas para funcionar como instrumento de contenção do poder punitivo. Ele só pode agir quando há crime descrito em lei, prova suficiente e garantias processuais respeitadas. E é justamente esse arcabouço técnico que protege a todos nós — inclusive os inocentes — do arbítrio estatal e da fúria momentânea da coletividade.

Quando se admite que a moral substitua a legalidade, perde-se o eixo da previsibilidade jurídica e se joga com os direitos individuais como se fossem fichas descartáveis. No fim das contas, a aposta mais perigosa não é aquela feita em sites ou aplicativos — é a aposta que a sociedade faz ao abrir mão da legalidade em nome de uma moral pública mutável, imprecisa e, muitas vezes, instrumentalizada.

A linha que separa a crítica ética da persecução penal precisa ser respeitada. Porque, ao contrário da moral, o Direito deve ser estável, técnico e garantidor.

Num Estado Democrático de Direito, o que está em jogo não é apenas o destino de um influenciador, um jogador ou uma CPI — é a integridade do próprio sistema de justiça. E essa aposta, definitivamente, não pode ser feita no escuro”.

Autor: Mateus Contessa de Almeida, advogado criminalista

Autora: Deise Bressan. Também escreveu e publicou no site “O amor e o medo de amar”: www.neipies.com/o-amor-e-o-medo-de-amar/

Edição: A. R.

Anotações filosóficas: uma ideia que pode morrer!

Triste é ter de lamentar que ideias criativas dos professores e professoras sejam abandonadas e substituídas por um trabalho excessivamente burocrático para quem tem somente um período de aula semanal. Perdem os estudantes, comprometem-se as aprendizagens significativas e mata-se a possibilidade de criação de atividades pelos próprios docentes.

Há pelo menos 08 anos, trabalho com Projeto “Anotações filosóficas” numa escola da rede municipal de Passo Fundo, em todas as séries finais do Ensino Fundamental. Uma ideia que nasceu com a perspectiva de praticar a filosofia do cotidiano, a partir de anotações que possam incentivar o pensamento crítico e filosófico e de fazer registros para que ideias e pensamentos não se percam, por falta de anotação, como já sugeria o escritor e palestrante Rubem Alves.

Os estudantes, de sexto ao nono ano, ao modo artesanal, produzem uma capa no Caderno Especial de Anotações Filosóficas. Trimestralmente, recebem orientações novas para registros que incluem conceitos, tirinhas, poesias, pequenas histórias, pensamentos de autores, dentre outros. E fazem com muita dedicação, esmero e responsabilidade. Recebem, também, incentivo para que, voluntariamente, façam anotações livres de pensamentos, charges, tirinhas ou pequenas histórias que julgarem importante guardar.

Leia, a seguir, depoimento de estudante que, ao longo dos últimos quatro anos, desde 2022, vem produzindo seu Caderno de Anotações Filosóficas.


“Eu tenho o meu Caderno de Anotações Filosóficas desde 2022. Nele não faço somente anotações solicitadas pelo professor, mas também gosto de registrar refrão de músicas que gosto, parágrafos de livros que achei interessantes e até uma receita de minha mãe que deixei registrado lá.

O caderninho tornou-se muito mais que uma atividade avaliativa, mas sim, um hábito de anotar memórias que não quero esquecer”. (Estudante A. D. da L, Nono Ano)

Contudo, nos últimos anos, esta ideia está sendo inviabilizada por absoluta falta de tempo para que o professor possa visualizar, observar e fazer devolutivas motivadoras para os estudantes. Vejam que sempre foram em torno de 200 Cadernos de Anotações Filosóficas recolhidos em cada trimestre. Mas o que mudou de alguns tempos para cá na rotina e no trabalho dos professores e professoras?

A falta de tempo para fazer as devidas observações e retornos junto aos Cadernos de Anotações Filosóficas deve-se pelo aumento de demandas burocráticas que vem sendo impostas à nossa profissão. De alguns tempos para cá, nosso cotidiano de professores foi ocupado por exigências burocráticas que não nos permitem mais tempo para ler, planejar e estruturar metodologias e aulas mais dinâmicas, produtivas e interessantes.

Estamos resistindo para não abandonar a ideia, mas está ficando praticamente insustentável trabalhar com tão pouco tempo para mantê-la com a qualidade necessária.

Com profunda tristeza, lamentamos que ideias criativas dos professores e professoras da rede pública, em especial, sejam abandonadas e substituídas por um trabalho excessivamente burocrático para quem tem somente um período de aula semanal. Perdem os estudantes, comprometem-se as aprendizagens significativas emata-se a possibilidade da criação de atividades pelos próprios docentes.

Leia também: www.neipies.com/abaixo-o-massacre-burocratico-na-educacao/

Autor: Nei Alberto Pies. Também escreveu e publicou no site “Nunca somos: sempre estamos sendo professores e professoras”: www.neipies.com/nunca-somos-sempre-estamos-sendo-professores-e-professoras/

Edição: A. R.

Sobre a Fome. Direitos Sequestrados

Imaginemos a tensão das pessoas encarregadas de distribuírem a comida, olhando para aqueles rostos famintos, ao colocarem na bacia ou panela a fração de alimento a ser repartida. É uma seleção pela sorte. Quem conseguir chegar mais perto com sua vasilha para amainar a fome, terá mais um dia de sobrevivência.

Tenho certeza de que qualquer pessoa, com o mínimo de juízo crítico e consciência ética, fique indiferente às cenas da Faixa de Gaza, mostradas e comentadas pelas redes de notícias.

Milhares de pessoas, em especial crianças, mulheres e idosos de mãos estendidas, portando uma vasilha, fazem um esforço na tentativa de receber algo da comida distribuída. Os braços que se alongam na direção do alimento, num gesto desesperado, próprio de quem tem fome, manifestam a plenitude da injustiça, porque os direitos foram sequestrados.

Imagino a tensão das pessoas encarregadas de distribuírem a comida, olhando para aqueles rostos famintos, ao colocarem na bacia ou panela a fração de alimento a ser repartida. É uma seleção pela sorte. Quem conseguir chegar mais perto com sua vasilha para amainar a fome, terá mais um dia de sobrevivência.

A fome é uma ausência ética. E esta ausência se manifesta na Faixa de Gaza. A horda de famintos só cresce como resultado da prepotência dos poderosos, que se aliam para produzir um novo holocausto. Esta prática genocida peculiar aos tiranos, donos do Capital, traduz-se numa sanha destruidora que nada preserva. O instrumental bélico dirige-se para atingir hospitais, templos, escolas, casas, sem a menor preocupação com a população civil. Tudo se tornou alvo dos exterminadores.


Foto: Eyad Baba/AFP

Que razões justificam o extermínio de um povo?

Em nome de que as lideranças tiranas decidem pelo massacre e matança? A morte de vidas inocentes pela fome, como se justifica, nos tempos atuais? Qual objetivo inspira os mandatários temperamentais nessa ausência de generosidade e justiça? Em nome de que deus, religião, seita, partido político baseiam-se para oferecer aos palestinos a fome e a morte?!

O que causa perplexidade é o fato de a liderança israelense focar na eliminação da população palestina, sendo que o povo judeu viveu essa trágica experiência de holocausto. Os judeus contaram com ajuda de outros povos e conseguiram ter um lugar para viver. Por que negam a outro povo um território, em que possam viver com paz e dignidade?

Todos têm o direito de um lugar para viver. Todo povo pode ter um território, que possa ser identificado como sua pátria, seu lugar civil, seu país, reconhecido com leis e proteções, de modo a viver sua cultura e sua soberania, sendo respeitado pelos outros povos. Tudo isso faz parte do processo civilizatório. O povo israelense conseguiu seu lugar. O povo palestino deve ter o seu lugar. Ninguém pode negar-lhe esse direito.

Os que tornaram Gaza um espetáculo de ruínas, onde as pessoas carregam seus pertences em trouxas e carroças, numa prática sequestradora de direitos, não podem ficar impunes diante dos tribunais internacionais.

As inteligências que se sentem soberanas para decidirem sobre a vida das pessoas precisam ser combatidas com rigor por essa covardia assassina. Esse cenário apocalíptico, revelador de um crime programado, precisa ser combatido por outras lideranças democráticas, que se sintam sensibilizadas pelo abuso do poder político e econômico e tenham coragem para enfrentar os desmandos dos que se sentem acima das leis e dos direitos conquistados pela civilização.

Autora: Cecilia Pires. Também escreveu e publicou no site “Sobre o ódio”: www.neipies.com/sobre-o-odio/

Edição: A. R.

Você quer que eu empilhe troféus? Já pensou em conquistá-los comigo?

“Para subir uma montanha você não precisa da montanha.  Precisa de imaginação.” (Autor desconhecido)

_ Não me ensine como eu devo resolver o enigma do cubo mágico. Eu não quero saber os passos para girar duas ou três vezes e ver as suas cores alinhadas. Quem falou que eu busco a eficiência da solução?

Eu estava feliz, passando as horas para combinar cores, virando o cubo centenas de vezes.  Mas alguém publicou um vídeo, sem graça, dando pistas em como conseguir solucionar rapidamente.  Mas por quê?

Qual o sentido de ter eficácia no meu jogo e estragar a minha conquista? Eu queria continuar insistindo, mesmo que aos poucos… E resolver sozinho. E não é que destruíram a minha descoberta?

Já que estou protestando contra soluções que não solicitei, dispenso outras, como as sugestões em vídeos para conquistar uma pessoa com mais facilidade.  Sentando-me de uma maneira específica ou olhando bem nos seus olhos, por alguns segundos, terei a posse mágica da sua atenção.  Em segundos?

Mas eu não quero segredos que me impulsionem a quaisquer troféus.  Quero me aproximar de alguém com as dúvidas, possibilidades, negações e incertezas de cada olhar. Quero aguardar o retorno de um gesto, que traz indiferença ou aceitação, para poder aprender a viver com rejeições e acolhidas, como em tudo o que terei de sentir e viver.

Eu não quero conquistar ninguém em cinco passos.

Também não pretendo estar no topo de nada. O que me interessa é apenas caminhar, subir, escalar, andar junto; ao lado de muitos, por exemplo.  Não há visão melhor do que estar no topo.  Mas a vida não acontece quando apenas contemplamos.  Daí que viver de altos e baixos não deveria ser tão ruim e a escalada diária é a que vale.

No topo da montanha, a vista sempre é plena. Mas nunca será melhor que a subida! Principalmente, na solidariedade dos muitos outros que o fazem ao nosso lado. Aqui, vale mais a presença do que a eficiência. 

Quem consegue as coisas, quem realmente conquista, sabe da inutilidade de troféus e bens que se segue às medalhas. Porque o segredo não está no topo de nada; mas somente na caminhada.

Quando Jesus falou eu sou o caminho… ele falou em caminhada, em andar, seguir, passear com ele.  Não falou que seria o topo de algo. Jesus falou em movimento, em se caminhar e buscar   – conviver. Não disse: _ o topo é nosso objetivo.  Ele sabia que a vida está na renovação das manhãs. Que a verdade, a vida, e até mesmo o caminho, estão em consonância entre si e são inseparáveis – todas as horas. Viver, tentar, buscar, bater, pedir…Receber, é a lógica de se estar vivo. Alcançar, é consequência…

Como vivemos e andamos na direção contrária, nossas conquistas são artificiais e rasas.  E, então, uma vez que nossos frágeis objetivos são alcançados, precisamos de mais.  Não nos basta cativar em nossos desejos de cristais, pois uma vez empilhados, queremos outros e mais outros. A eficiência apressa a morte da conquista.

Caso você dê quatro passos, girando o cubo e seguindo as regras, você consegue alinhar todas as cores. Pronto!  Conseguiu.  Grau máximo em rapidez!  Mas, e agora? 

Como conquistou um segredo que tanto encantava e custava horas de tentativas, chegou o agora. O que vai fazer?  Desfez-se o mistério, acabou a mágica, tudo ficou sem graça e o cubo vai para a gaveta.

Neste mundo de resultados apressados, após a eficácia extrema, pode-se encontrar o vazio e a ausência de mistérios.  Há satisfação, mas não fruição.  Resta a solução fácil -em cinco passos para ser feliz – e a resposta em sua nudez sem graça, sem contemplação, sem complexidade e sem deslumbramento.

Há desolação e desencanto logo após se conseguir o que se quer e nossos desejos falam mais de nossas faltas do que realmente admitimos. 

Queremos que tudo funcione, perfeitamente, sem lugar à imperfeição, o atraso, a falta, como se a natureza humana só soubesse conviver com suas demandas.  A amargura de quem pede e busca o tempo todo, não é maior daquele que já alcançou o que queria, mas agora flutua no vácuo do vazio…Em busca de um novo desejo.

Perseguir algo é melhor que a sua posse. Andar é melhor que chegar, e, tentar, muito melhor do que ficar olhando. Mas se me ensinarem atalhos fáceis eu perco o caminho.

O prazer de se ‘conquistar’ alguém e ser ‘conquistado’, de igual forma, em todos os atos e circunstâncias que se seguem, jamais será substituído na paixão e nos mistérios que se entrelaçam. Sem regras ou dicas. A eficiência no amor pode ser a sua separação.

No amor, não há necessidade de perfeição.  Apenas se quer andar e viver: lado a lado. Os ideais e todas as ausências são substituídos, lentamente, pela simples presença do outro. Não se precisa chegar a lugar nenhum, nem partir. Apenas ficar!

O amor, assim como a fé, é caminhada pura, é subida e descida, é companhia, é cooperação. Não há caixa de ferramentas ou remédios a prescrever. Em cada busca, uma surpresa.

Abandonando as curiosidades de como viver melhor, em algumas dicas excêntricas, ou em como chamar a atenção de um pretenso amor, com gestos e segredos ardilosos, há um mundo a conquistar e viver plenamente, sem máscaras, nestas inúmeras montanhas que teremos de escalar ao longo da vida.

Com ou sem troféus!

Autor: Nelceu A. Zanatta. Também escreveu e publicou no site “O santo mel de cada dia”: www.neipies.com/o-santo-mel-de-cada-dia/

Edição: A. R.

Abaixo o massacre burocrático na educação!

Com o advento da pandemia, as diferentes redes de ensino passaram a implantar maior controle sobre a atividade docente no Brasil. Este controle, para além de não gerar melhorias na educação e na aprendizagem dos estudantes, gera um mal-estar docente pela pressão desmedida e pela injustificada ausência de sentido destes controles, configurando uma espécie de alienação no trabalho.

A tragédia que vitimou a professora Silvaneide Monteiro Andrade em Curitiba, dentro da própria escola onde exercia sua vocação, escancara uma ferida aberta há décadas: a negligência com a educação e com aqueles que a sustentam com o próprio corpo e alma — os professores. Silvaneide não morreu apenas de um infarto fulminante. Ela morreu soterrada por metas desumanas, por cobranças frias, por uma política educacional que transforma mestres em números e alunos em produtos de plataforma.

Precisamos urgentemente nos perguntar: onde estamos colocando nossa prioridade?

Este texto ganhou voz no canal do yotube: https://youtu.be/4nhdIZW-jxw?t=29

Quando transformamos a educação em cumprimento de metas e deixamos de olhar para os sujeitos — educadores e educandos —, perdemos o propósito. Em nome de resultados para avaliações externas, sacrificamos o que deveria ser sagrado: o encontro entre professor e aluno, o tempo da escuta, a construção coletiva do conhecimento, o espaço do erro como possibilidade de aprender. Hoje, quem protagoniza a educação? Uma plataforma? Um gráfico? Um índice?

Nenhuma profissão nasce sem um professor.

Mas a sociedade marginalizou a educação.

Os aplausos vão para as tecnologias, as engenharias, as inovações do mercado. O professor? Fica na invisibilidade, na solidão da sala de aula, recebendo salários indignos e enfrentando a violência — física, simbólica, emocional. Que país pode sonhar com um futuro justo e próspero desvalorizando aquele que forma todos os outros?

Por que nenhum governo se pronuncia publicamente com firmeza e compromisso sobre investir nos educadores?

A resposta pode ser dolorosa: talvez porque investir em educação crítica e libertadora assuste. Educar com profundidade não forma apenas trabalhadores — forma cidadãos conscientes, questionadores, que não se submetem facilmente à manipulação. E isso, para certos projetos de poder, é um risco.

A terceirização da educação é um passo perigoso.

Delegar a formação dos nossos jovens a empresas privadas, muitas vezes sem vínculo com a comunidade escolar, não é solução — é abandono. E o reflexo já se vê: nosso país cresce em encarceramento de jovens, em envolvimento com o tráfico, em evasão escolar, em adoecimento psicológico.

Jovens sem perspectiva, desiludidos com o estudo, desanimados com o amanhã. Será coincidência ou consequência da omissão dos sucessivos governos com as necessidades reais da escola?

Hoje, um professor é xingado dentro de sala de aula.

Mas onde começou esse erro mortal em desvalorizar quem ensina? Talvez tenha começado quando deixamos de ver a educação como direito e passamos a tratá-la como custo. Quando tiramos da escola sua função social e a submetemos a um modelo produtivista, competitivo e adoecedor.

Os professores e professoras deveriam ser a classe mais valorizada do país.

Não só por palavras bonitas em datas comemorativas, mas com salário digno, formação continuada, apoio emocional, estrutura adequada e liberdade pedagógica. Sem isso, o ensino adoece — e mata.

Silvaneide não será esquecida. Seu nome ecoa como grito por justiça.

Que sua morte nos acorde, nos una e nos mova a dizer, com toda firmeza:

📢 Educação não é meta. É missão.

📢 Professor não é culpado. É pilar.

📢Sem educação libertadora, só crescerá o encarceramento e a exclusão.

E como dizia Paulo Freire:

“Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.”

Silvaneide caminhava por amor à educação.

Que ela descanse em paz! Que nós despertemos.

Autora: Vera Dalzotto. Também escreveu e publicou no site “O sentido da vida é fazer sentido à outras vidas”: www.neipies.com/o-sentido-da-vida-e-fazer-sentido-a-outras-vidas/

Edição: A. R.

Futebol: o porquê de tanto sofrimento

Para que o futebol não faça mal à saúde de tantos brasileiros, é necessário deixar de promover a sua narcização. Aliás, o problema, todos sabemos, vai bem além do Brasil.

Um número significativo de torcedores sofre periodicamente de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O desencadeante é uma derrota de seu time vivenciada como um evento excepcionalmente catastrófico. Uma derrota inesperada, incabível, geradora de perplexidade.

Num primeiro momento, o torcedor pode apresentar sintomas de um estresse agudo: poucos minutos após o ocorrido surge nele uma sensação de atordoamento, ansiedade, desespero, raiva, retraimento ou hiperatividade.

O TEPT aparece mais tarde como uma resposta tardia ao evento. Caracteriza-se pela volta a mente, sem o comando do indivíduo, da lembrança da derrota fatídica. Ela vem de forma invasiva, como flashbacks. Os sonhos podem ser tomados por pesadelos ligados ao fato estressor.

A dor emocional é muito grande e a sensação é de que não há saída, não há escape. O torcedor tende a se retrair, a evitar situações que lhe provoquem mais intensamente a sofrida lembrança. Às vezes, ele fica hostil, adotando comportamentos incompatíveis com sua boa educação, mas compatíveis com a chamada raiva narcisista.

Ocorre que somos todos sujeitos a busca de prazeres narcisistas, daquela sensação de ser superior e mais poderoso: “papai é o maior”, “imortal”, etc. Uma vez que ocorre a narcização do futebol e do “meu clube”, estou inevitavelmente sujeito ao sofrimento narcisista. Uma armadilha, já que no futebol e em qualquer esporte competitivo convive-se com derrotas.

No Brasil, vice-campeonato não significa nada. Só interessa a posição de campeão. Tal fato atesta o quanto patologicamente promovemos a narcização do futebol, pois o desejo narcisista só é satisfeito se nos sentimos superior a todos.

Para que o futebol não faça mal à saúde de tantos brasileiros, é necessário, portanto, deixar de promover a sua narcisação. Aliás, o problema, todos sabemos, vai bem além do Brasil.

Na famosa série Os Simpsons, a certa altura um personagem explica para outro o que é o futebol, dizendo: “É aquela coisa que detonou a cabeça dos Europeus e dos Sul-Americanos”.

Autor: Jorge Alberto Salton. Também escreveu e publicou no site “Nossa bola era mesmo rachada, mas só por fora”: www.neipies.com/nossa-bola-era-mesmo-rachada-mas-so-por-fora/

Edição: A. R.

Buscar ajuda é fundamental

Se você vive esta dor, ou conhece alguém que sofre com isso, entenda que só na psicoterapia está o caminho de alívio ao sofrimento. O lugar onde a dor será compreendida. Buscar ajuda é fundamental.

A primeira coisa que as pessoas fazem é julgar. Até eu, num primeiro momento, não resisti ao impulso e expressei: — Isso é um absurdo. Parei para refletir. Aí veio aquela máxima: “Nada acontece por acaso, tudo tem uma motivação inconsciente”.

Está certo que algumas coisas são apenas modismos. Fruto dos influencers. Uma busca desenfreada de likes. Reflexo de uma sociedade emocionalmente doente, que não vive sem admiração do outro.

Carregar um bebê de plástico nos braços, como se fosse de carne e osso, pode parecer um hobby inofensivo, mas pode, também, ser um grito sufocado com pedido de ajuda. Sinais claros de dor emocional. Uma dor inconsciente.

– Uma substituição simbólica? Pode ser.

Pode, também, ser um luto mal resolvido — Desejos não realizados – Perdas não elaboradas. São muitas críticas para dores que precisam encontrar palavras para manifestá-las. Rotular é fácil. Não cabem diagnósticos apressados. Cada caso é um caso, e sempre tem um sofrimento que permeia a situação por mais inocente que pareça.

Nesta manhã outonal de sábado em que escrevo, penso que o mundo avança tão perdulário. Tudo acontece tão rápido que de certa forma ficamos desequilibrados.

Temos que descobrir um jeito de sentir melhor a passagem do tempo. Ainda esta semana, descendo as escadarias do prédio na última quinta-feira, comentei com uma amiga: — Parece ontem que foi segunda-feira.

Mas, voltando aos bebês, (não usarei adjetivos, pois eles estão espalhados nas redes) que fique claro a necessidade de falar. Para sair deste circuito de neurose “se for o caso”, é preciso recordar, repetir e elaborar. Eis o trabalho de escuta empática de um psicólogo.

Portanto, se você vive esta dor, ou conhece alguém que sofre com isso, entenda que só na psicoterapia está o caminho de alívio ao sofrimento. O lugar onde a dor será compreendida. Buscar ajuda é fundamental.

Fica a sugestão/dica de leitura: www.neipies.com/a-fixacao-do-bebe-reborn/

Autora: Elenir Souza. Soledade, 17 de maio de 2025. Também escreveu e publicou no site “Tudo o que a escrita precisa é de leitores”: www.neipies.com/tudo-o-que-a-escrita-precisa-e-de-leitores/

Edição: A. R.

BARSA: quando o saber vivia na estante e a infância no quintal

Porque, no fundo, a gente não vive só pra saber… a gente sabe pra viver melhor.

Houve um tempo… ah, como houve! Um tempo em que o saber não cabia na palma da mão, nem nos toques mágicos de uma tela. O conhecimento era feito de papel, cheiro de tinta e encadernações douradas. Era preciso abrir volumes — enormes, pesados, solenes — como quem abre portas encantadas para outros mundos.

A Enciclopédia BARSA… sim, crianças, esse era o nome de um tesouro. Surgida em 1964, ela era um mapa do saber impresso, traduzindo o mundo para a língua portuguesa.

Veio até nós como quem oferece uma ponte entre a curiosidade e o mistério. E seguiu viva, folheada, consultada, reverenciada, até se despedir silenciosamente, no começo dos anos 2000, quando a internet começou a soprar seus ventos de mudança.

Não era vendida em lojas. Ah, não! Ela batia à porta… ou melhor, quem batia eram os vendedores — sujeitos de fala macia, olhos brilhantes e pastas recheadas de promessas, instigando aos sonhos. E então, lá estávamos nós, crianças curiosas, espiando da fresta da porta enquanto nossos pais ouviam sobre a possibilidade de ter, dentro de casa, todo o saber do mundo — ou quase.

Meu pai Nelson e minha mãe Geny cortavam na carne, para poder promover o acesso a esse portal.

Numa época em que não havia Google, ChatGPT, inteligência artificial, nem Wi-Fi que hoje parece ar mais que se respira… nós tínhamos a BARSA. E como ela brilhava na estante! Um monumento silencioso, esperando que alguém viesse lhe perguntar qualquer coisa: a biografia do genial Machado de Assis? Quantas estrelas há na Via Láctea? Quem descobriu a penicilina? Como surgiu o sapiens? Por que o céu é azul? Por que o mar tem ondas?

Mas, vejam, o saber não era tudo… Porque, no fundo, o que a gente mais fazia era viver.

Ah, minha infância… Era feita de terra, de poças depois da chuva — onde o céu descia pra brincar com a gente. De mãos sujas, joelhos ralados e olhos que brilhavam na caça aos vaga-lumes, esses pequenos pirilampos que pareciam estrelas fugindo do céu.

Tinha bola — de meia, de couro, de gude. Bicicleta, skate feito à mão, carrinho de lomba feito com o coração até gastar o sol. Bolinha de guerra, esconde-esconde e aquela misteriosa missão de nunca ser achado. A escola era mais do que lição: era recreio, era merenda da dona Palmira, era amizade servida em pão com goiabada, arroz doce, sagu, creme e sonhos….

Pintávamos o mundo com tinta de barro e pincéis feitos dos próprios dedos. Na televisão — que era pouca e preta-e-branca — desfilavam heróis como Rin Tin Tin, e Maia, o elefante, que hoje poucos saberiam dizer se era desenho, filme, sonho ou pura invenção. Tinha o maravilhoso Chacrinha, Tarzan, Jane e a incrível macaca Chita.

Havia as rodas de chimarrão, onde os vizinhos falavam num dialeto que misturava italiano, português e carinho. Na mesa fumegava uma sopa de anholine — ou seria capeletti? — pouco importa, porque o gosto era de abraço.

O cinema… ah, o cinema! A primeira vez, sentado naquelas poltronas vermelhas, olhos arregalados para os filmes do Teixeirinha, do Mazzaropi… e o mundo se tornava ainda maior do que aquele que a BARSA contava.

Jogava-se basquete, vôlei, futebol — todos os dias, como quem tentava, sem saber, marcar um gol contra o tempo.

E hoje, já professor, escritor, contador de histórias e mediador de sonhos, olho para essas novas gerações e penso: que sorte vocês têm de ter o mundo nas pontas dos dedos… Mas que sorte tive eu de ter tido o mundo inteiro dentro de um livro.

E talvez — quem sabe? — seja disso que se trata a vida: de um lado, a tecnologia que informa; do outro, a memória que forma. Porque, no fundo, a gente não vive só pra saber… a gente sabe pra viver melhor.”

Autor: Mauro Gaglieti. Também escreveu e publicou no site “Filme Divertidamente: faz bem para adultos, crianças, adolescentes e jovens”: www.neipies.com/filme-divertida-mente-faz-bem-para-adultos-criancas-adolescentes-e-jovens/

Edição: A. R.

Justiça Restaurativa e Práticas Circulares: caminhos para o desencarceramento e remissão de pena no Brasil

A Justiça Restaurativa surge como uma resposta eficaz ao paradigma de punição. Mais do que uma técnica de resolução de conflitos, ela é um movimento filosófico e político que visa a reparação de danos, o empoderamento das vítimas e o reconhecimento das responsabilidades de forma coletiva e restauradora.

A presente análise propõe uma reflexão crítica sobre a aplicação da Justiça Restaurativa (JR) no sistema penal brasileiro como instrumento legítimo de remissão de pena e de combate às violências estruturais e institucionais presentes nas prisões. A proposta defende que, além de reduzir danos psicológicos e sociais impostos pelo encarceramento, as práticas circulares — como metodologia restaurativa — oferecem espaços seguros de escuta e expressão, promovendo reintegração social e cura coletiva.

Apoiada pela legislação nacional e internacional, e fortemente incentivada por organismos como a Pastoral Carcerária Nacional, a Justiça Restaurativa se revela como alternativa viável ao modelo punitivista, contribuindo para a Agenda Nacional pelo Desencarceramento e o enfrentamento à política de aprisionamento em massa.

O Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, com uma realidade marcada por superlotação, tortura, degradação humana e reincidência.

Diante desse cenário alarmante, a Justiça Restaurativa surge como uma resposta eficaz ao paradigma de punição. Mais do que uma técnica de resolução de conflitos, ela é um movimento filosófico e político que visa a reparação de danos, o empoderamento das vítimas e o reconhecimento das responsabilidades de forma coletiva e restauradora.

A Justiça Restaurativa como Política Pública

A Lei nº 13.140/2015, que trata da mediação como meio de solução de conflitos, e a Resolução nº 225/2016 do CNJ, que institui a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, consolidam legalmente a prática restaurativa no Brasil. A Resolução orienta a implementação da JR com base em princípios como voluntariedade, corresponsabilidade e participação ativa de todos os envolvidos.

O Sistema Prisional como Espaço de Violência Estrutural e Psicológica

O cárcere brasileiro é um dos principais produtores de sofrimento psíquico e marginalização social. A violência estrutural — definida como aquela que está incorporada às instituições e aos arranjos sociais, econômicos e políticos — manifesta-se por meio da precariedade nas condições de encarceramento, da ausência de assistência jurídica e de saúde, e da negação de direitos básicos.

Além da violência física, há o sofrimento psicológico e existencial causado pela desumanização, pela exclusão familiar e comunitária, e pelo estigma social que o/a sobrevivente carrega. O sistema não ressocializa, ao contrário, reproduz ciclos de exclusão e reincidência.

Práticas Circulares como Espaços de Escuta, Cura e Redução de Danos

As práticas circulares são metodologias ancestrais de diálogo, resgatadas e sistematizadas como ferramentas centrais da Justiça Restaurativa. Inspiradas em tradições indígenas e comunitárias, os círculos criam espaços seguros e horizontais para que indivíduos possam compartilhar experiências, dores, responsabilidades e esperanças.

Em ambientes prisionais, essas práticas revelam-se revolucionárias. Elas permitem que as pessoas privadas de liberdade:

  • Reconheçam o impacto de suas ações.
  • Acessem suas histórias pessoais e traumas.
  • Reaprendam formas saudáveis de se relacionar.

Os círculos restaurativos são também espaços de reconexão espiritual, de empoderamento coletivo e de reconstrução da dignidade humana.

A Remissão de Pena através da Justiça Restaurativa: Um Direito Possível e Urgente

A remissão de pena está prevista na Lei de Execução Penal (LEP) – Lei nº 7.210/1984 -, especialmente nos artigos 126 e 127, que admitem remissão por estudo e trabalho.

Compreender as práticas restaurativas como formas legítimas de remissão exige uma ampliação do conceito de “atividade educativa” presente na LEP.

Neste sentido, diversos estudos e experiências têm mostrado que:

  • A participação em círculos restaurativos contribui para o amadurecimento emocional.
  • Tais práticas promovem a reinserção social e a reconstrução dos vínculos comunitários e familiares 
  • A Pastoral Carcerária Nacional vem sistematizando mais de 100 círculos com temáticas específicas, aplicáveis a diversos contextos carcerários, além de 24 círculos voltados à libertação da dependência química, articulando saúde mental, espiritualidade e responsabilização.

O Enfrentamento da Violência Sistêmica pela Justiça Restaurativa

Num contexto em que a violência cresce nas periferias e centros urbanos, e onde a política pública hegemônica ainda é baseada no aprisionamento, a Justiça Restaurativa se apresenta como um contraponto ético e político.

A proposta restaurativa:

  • Rompe com o ciclo da violência punitiva.
  • Favorece a construção de comunidades resilientes e cuidadoras.
  • Envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na transformação do conflito em aprendizado.

Exemplos Concretos da Eficácia das Práticas Restaurativas

Experiências em diversos estados brasileiros — como Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo — mostram a potência das práticas circulares:

  • Em Porto Alegre, um projeto-piloto em unidades de internação de jovens infratores revelou queda expressiva na reincidência após participação em círculos restaurativos.
  • Em São Paulo, mulheres privadas de liberdade relataram transformações pessoais profundas após ciclos de escuta que abordavam relações familiares, violência de gênero e perdão.
  • No Paraná, o Judiciário reconheceu a participação em práticas restaurativas como critério para remissão de pena, estabelecendo um precedente promissor.

A Pastoral Carcerária Nacional tem papel central na articulação entre a fé cristã e vida, a promoção da dignidade humana em um sistema penal altamente desumano. Como parte da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, a Pastoral defende:

  • A extinção das penas privativas de liberdade para crimes sem violência.
  • A promoção de penas alternativas.
  • A ampliação da Justiça Restaurativa como política de Estado.
  • O uso das práticas circulares como forma legítima de remissão e reintegração social.

A sistematização das práticas em manuais, oficinas e roteiros de círculos temáticos faz da Pastoral uma referência.

Para que a JR seja amplamente reconhecida como forma de remissão, é necessário:

  • A atuação proativa do CNJ, Ministérios Públicos e Defensorias na regulamentação do uso das práticas restaurativas.
  • A formação de facilitadores reconhecidos institucionalmente ao qual a PCR nacional vem investindo ao longo dos últimos anos 
  • A inclusão da JR nos Planos Nacionais de Execução Penal.
  • A integração com políticas públicas de saúde mental, cultura e educação.

A Justiça Restaurativa e as práticas circulares representam não apenas um método de resolução de conflitos, mas uma verdadeira revolução na forma de compreender o crime, o castigo e a dignidade humana. Seu uso como instrumento de remissão de pena não só é legítimo como necessário para a construção de uma justiça mais inclusiva.

Em tempos de endurecimento penal e crescimento da violência, desencarcerar é um ato de coragem e justiça social.

A experiência da Pastoral Carcerária Nacional, somada aos avanços da Política Nacional de Justiça Restaurativa, aponta caminhos concretos para um sistema mais justo e restaurador. É urgente que os órgãos competentes reconheçam e promovam essas práticas como políticas públicas, a fim de garantir a redução de danos causados pelas grades e abrir novos horizontes para aqueles que hoje vivem a dor do cárcere.

Autora: Vera Dalzotto. Já escreveu e publicou no site “Justiça restaurativa: um caminho, não um negócio”: https://www.neipies.com/justica-restaurativa-um-caminho-nao-um-negocio/

Edição: A. R.

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