Tiradentes: mito ou herói?

1822


A função da história é esta.
Desconstruir tradições, reconstruir trajetórias,
questionar fatos consumados e discursos prontos.
O que, afinal, representou Tiradentes?

O momento que vivemos no país, em que são acionadas disputas diárias em torno da história e da memória, é preciso entender que tanto as memórias quanto os esquecimentos merecem ser considerados não como verdades absolutas, mas em suas possibilidades de interpretação.

A Inconfidência Mineira, por exemplo, e seu mártir Tiradentes, ainda hoje causam polêmicas. A conspiração dos mineiros foi, basicamente, um movimento de oligarcas, no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa.

Tiradentes foi um entusiástico e temerário propagandista da rebelião. Mas não há dúvida de que seu papel na trama foi, e sempre seria menor. Ainda assim, e por isso mesmo, era o bode expiatório ideal – e a Coroa o escolheu para servir de exemplo, papel que ele cumpriu com altivez espantosa.

A relevância de Tiradentes deriva de sua força simbólica que o transformou em herói nacional. As cenas de sua morte, esquartejamento de seu corpo, a exibição da cabeça, passaram a ser evocadas com muita emoção e horror nos bancos escolares.

Foi um longo processo de construção de um mito que tem sua própria história. Durante todo o período colonial ele foi visto como criminoso, por ter cometido crime der lesa-majestade.

Mesmo depois da independência Tiradentes incomodava, pois os conspiradores tinham pouca simpatia pela forma monárquica de governo. Mais. Os dois imperadores eram descendentes de Dona Maria, que o condenou à morte.

Quando da proclamação da República, esta não possuía nenhuma figura capaz de sintetizar e sustentar simbolicamente o novo regime. Fora um verdadeiro golpe militar, que precisava de legitimação. Era urgente uma figura heroica capaz de congregar diferenças, de unificar a nação e conferir legitimidade popular à República.

Eis que então é retirado do limbo da história, Tiradentes. O 21 de abril passou a ser feriado e Tiradentes foi cada vez mais retratado com traços semelhantes às imagens mais divulgadas de Cristo, tornado uma figura cívico-religiosa. O Brasil ganhou seu Cristo cívico!!

A figura do condenado ao enforcamento, com a corda no pescoço, tornou-se o grande símbolo da redenção do país. Até barba colocaram no morto.

O máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Estudos contemporâneos, apresentam um Tiradentes bem mudado: sem barba, sem liderança e sem glória, como revela K. Maxwell, autor de A Devassa da Devassa, o melhor livro sobre o tema.

Como simples alferes – o equivalente a tenente, hoje – dificilmente lideraria a alta hierarquia militar, padres e desembargadores. O mesmo poderíamos dizer hoje sobre um certo capitão.

A verdade é que o enfoque excessivo sobre a figura de Tiradentes – herói, mito, bode expiatório? – acabou deixando de lado o real significado histórico da Inc.Mineira de 1789, um conflito entre grupos econômicos da colônia e do reino.

Os defensores da Escola Sem Partido devem estar indignados. Como ousa contestar um herói e um mito da nação? A função da história é esta. Desconstruir tradições, reconstruir trajetórias, questionar fatos consumados e discursos prontos.

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