Recado para os professores e professoras

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A experiência pedagógica que vivemos com esta turma da Fase, enfocando a educação da dimensão espiritual da inteligência, nas aulas de Inglês, foi uma das mais gratificantes que tivemos no magistério. Nós educadores temos muito ainda a aprender sobre a alma humana, pois lidamos diariamente com ela e não a compreendemos totalmente.

Estávamos encerrando ciclo de palestras na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, em abril último (2025), quando, nos momentos finais do almoço de despedida gentilmente oferecido a nós, na cidade de Conceição de Macabu. Nesta oportunidade, veio conversar conosco jovem professor de Geografia relatando a dificuldade que encontrava em interessar os seus alunos da 6º, 7º, 8º e 9º anos da Educação Fundamental em suas aulas e, que já tinha, sem sucesso, tentados várias estratégias para envolvê-los.

Conversamos rapidamente, pois não dispúnhamos de muito tempo, oferecemos algumas sugestões e nos despedimos. Refleti sobre esta questão na viagem de retorno a Porto Alegre. Consegui o e-mail deste jovem colega e me propus oferecer-lhe mais esclarecimentos sobre a questão de motivar os alunos para a aprendizagem dos conteúdos do componente curricular trabalhado por ele.

Este fato lembrou-me da experiência que vivi, em 2003, como professora da Escola Tom Jobim, que funciona dentro do complexo da Fundação Sócio Educativa (FASE), em Porto Alegre, onde adolescentes infratores da Lei são cerceados de liberdade para se ressocializarem. Lecionávamos as disciplinas das Áreas Humanas: História, Geografia, e Ensino Religioso. As salas de aula eram dentro das Unidades, três masculinas e uma feminina. Cada turma podia ter, no máximo, dez alunos, com um monitor junto à porta, observando o comportamento dos alunos na sala de aula.

Numa turma de uma das Unidades ocorreu um problema sério, pois aproximava-se o encerramento do ano letivo e esta turma não poderia concluir o Ensino Fundamental, pois a disciplina Inglês não tinha atingido a carga horária legal necessária pois cinco professores já haviam desistido de dar as aulas por causa do comportamento inadequado dos dez alunos.

A Secretaria de Educação informou à direção da escola que não havia mais nenhum professor de Inglês disponível para enviar à escola. A diretora da escola, pessoa altamente competente e comprometida, aflita, conversou conosco, pois sabia que tínhamos titulação para lecionar Inglês e nos propôs que aceitássemos o desafio de assumir esta turma, uma vez que seria fácil conseguir professor que me substituísse nas disciplinas da área humana, na qual lecionávamos. Era o ano 2003.

Aceito o novo desafio, fomos nos preparar para organizar o planejamento das aulas para completar a carga horária necessária que teria que ocorrer de forma intensiva para cumprir as exigências legais e os alunos pudessem completar seus currículos.

Ao analisar os planejamentos anteriores e as atividades feitas pelos professores, percebemos que a proposta pedagógica, que estava em voga para ensinar Língua Inglesa não poderia ter sentido para esses alunos uma vez que os textos dos livros didáticos adotados apresentavam uma realidade totalmente diferente da vivida por eles. Não tinha significado para eles pois, refletiam o meio de vida norte americano. Viva Paulo Freire!

Sempre buscamos, em nossa atividade profissional, nos inteirar das pesquisas científicas sobre como se realiza a aprendizagem, como ensinar despertando a curiosidade, o interesse do aluno em aprender, quais os recursos didáticos mais desafiantes para os alunos, buscando sempre aperfeiçoar nossa performance em sala de aula.

Um dos temas que mais pesquisávamos era sobre as dimensões da inteligência geral do ser humano: a inteligência intelectual com base em Alfred Binet, no início do século passado; as inteligências múltiplas, a partir das pesquisas de Haward Gardner, em 1983; as informações sobre a inteligência emocional, estudo capitaneado por Daniel Goleman, em 1995; os estudos do psicólogo Robert Coles, em 1997 que aprofundou as questões sobre a inteligência moral.

Leia também: www.neipies.com/as-dimensoes-da-inteligencia-humana-como-acessa-las-na-pratica-docente/

Na época que tivemos que assumir o desafio de lecionar Língua Inglesa para aquele grupo considerado muito difícil, estávamos acompanhando atentamente as pesquisas recentes (ano 2000) da filósofa e psicóloga Danah Zohar, do psicólogo Ian Marshall e Richard Wolman sobre a inteligência espiritual, baseadas nas descobertas da neurociência sobre a localização, no cérebro humano, do ponto de Deus. A dimensão espiritual da inteligência quando estimulada a se desenvolver, proporciona a capacidade de ser mais flexível, de enfrentar o sofrimento com equilíbrio, de ser inspirado pelos valores espirituais, de relutar em causar danos aos outros, de auto questionar-se e encontrar alegria de viver.

Com a orientação destas informações, encontramos embasamento para tentar estimular a espiritualidade básica que faz parte do âmago do ser de cada pessoa, nos alunos. Desta forma, resolvemos alterar a proposta didática do ensino do Inglês para aquela turma e organizamos novo planejamento para o trabalho docente.  Enfrentamos a “gozação” dos colegas, na sala dos professores que nos sugeriram que ensinássemos os alunos a assaltar em Inglês… E, no momento inicial da primeira aula, a reação negativa da turma, segundo argumentaram eles, nós seríamos a próxima professora a ir embora. Expliquei, rapidamente, como trabalharíamos e pedi que todos copiassem do quadro pequena frase em Inglês para, em seguida ser traduzida para o Português. Escrevi:  – GOD, HELP US. GIVE US YOUR PEACE! Abaixo coloquei o significado do vocabulário para que eles traduzissem a frase para o Português: DEUS, AJUDA-NOS. DÁ-NOS A TUA PAZ.

Foi um impacto. Fiquei perplexa com efeito da palavra Deus em cada um dos dez alunos e do monitor que estava à porta. A seguir, com a atenção de todos, expliquei como seriam as nossas aulas, parte com estudo da gramática seguida de pequenos textos para serem traduzidos, trabalhando a fluência da Língua Inglesa. No decorrer das aulas até a prece do Pai Nosso em Inglês foi vertido para nosso idioma. 

A cada aula iniciávamos com frases que continham a palavra “God”. Foram três meses de trabalho intensivo para recuperar a carga horária perdida. De modo geral, sempre era difícil para os monitores convencerem os alunos a entrar em sala de aula de qualquer disciplina. Em cada aula só podia participar dez alunos.

Com o passar dos dias, quando nos dirigíamos para a sala de aula, muitas vezes, mais de dois ou três alunos brigavam com os monitores porque queriam assistir as aulas de Inglês e não podiam, pois a classe já estava completa.  Para amenizar a situação, nos pedíamos para a porta da aula ficar aberta e os que não podiam entrar, pois não eram do grupo, assistiam do lado de fora, no corredor, nós, naturalmente interagíamos com eles também.

Os colegas professores ficavam surpresos pela acolhida calorosa, com frases em Inglês, dita pelos meus alunos quando nós entravamos na Unidade e eles estavam jogando futebol na cancha central. Foi uma verdadeira revolução na escola, para minha satisfação pessoal.

Na aula que planejáramos trabalhar com vocabulário sobre a família e o uso dos verbos TO BE e TO HAVE, iniciamos, colocando no quadro: THE UNIVERSAL FAMILY; a seguir, GOD IS OUR FATHER. WE ARE ALL BROTHERS. Deus é nosso Pai. Somos todos irmãos. Feita a tradução e a conversa sobre esta informação, passamos ao momento seguinte: THE HUMAN FAMILY, a família humana. Eles fizeram frases, em Inglês sobre suas famílias e encerramos a aula.

Enquanto saíam, fomos apagar o quadro, quando percebemos que um dos alunos, jovem de 17 anos, estava junto a mim, cabisbaixo, chorando. Perguntei a ele se precisava de mais alguma explicação. Me olhou nos olhos e respondeu: – “Professora eu nunca disse para ninguém a palavra pai e agora a senhora me ensinou que eu tenho um pai, que Deus é meu Pai”.

Pedi licença ao monitor e fiquei mais alguns minutos com ele que me narrou sua vida. Acalmou-se, aliviado e feliz com a notícia, sendo, em seguida, levado ao refeitório pelo monitor, pois já era hora do almoço. Dentro do tempo previsto conseguimos recuperar a carga horária necessária e todos concluíram o Ensino Fundamental.

A experiência que vivemos com esta turma da Fase, enfocando a educação da dimensão espiritual da inteligência, nas aulas de Inglês, foi uma das mais gratificantes que tivemos no magistério. Nós educadores temos muito ainda a aprender sobre a alma humana, pois lidamos diariamente com ela e não a compreendemos totalmente.

Estamos organizando algumas sugestões para enviar ao jovem professor de Geografia para que seus alunos fiquem mais interessados e participativos para conhecer a grafia da Terra, deste nosso lindo Planeta.

Epílogo do recado aos queridos colegas professores: não importa o componente curricular que lecionem, mas, não esqueçam de, nas suas aulas, acessarem todas as dimensões da inteligência geral de seus alunos, especialmente a dimensão da espiritualidade básica. Iniciem seus encontros com um incentivo que provoque uma reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida de cada um. O estímulo para os alunos desenvolverem a inteligência espiritual vai ajudá-los a criar conexões de sentido e significado entre todas as coisas, gradativamente eles vão aprender a viver de forma mais harmônica, com empatia e compaixão, respeitando os diferentes. Vão tendo mais autonomia, independência, sendo questionadores, adaptando-se, com equilíbrio, às novas situações, aprendendo a focar o que é essencial. Vale a pena tentar.

Autora: Gladis Pedersen –   Pedagoga. gladispedersen@gmail.com Também escreveu e publicou no site “O método pedagógico de Jesus”: www.neipies.com/o-metodo-pedagogico-de-jesus/

Edição: A. R.

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