Os efeitos da poluição sonora na saúde das crianças

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Eu fico me questionando como se sentem os bebês e as criancinhas. Se nós, adultos, nos sentimos perturbados com o barulho de uma música horrível, imagine esses seres tão pequeninos e que tanto precisam de cuidados.

Para começarmos bem um texto, que também pode ser lido como um poema às crianças, precisamos iniciar com alguns versos que introduzam o nosso pensamento e aqui eu trago Pedro Diniz, poeta português nascido em 1839, que diz “Palram pega e papagaio / E cacareja a galinha; / Os ternos pombos arrulham; / Geme a rola inocentinha.”

Pelos versos do nosso nobre poeta já deu para perceber que vamos falar de sons, mais precisamente desses sons do século XXI que muitas vezes nos nina e noutras nos incomoda a ponto de gritarmos por silêncio. E por falarmos em silêncio, sentimos que está cada vez mais difícil um lugar tranquilo e sereno para podermos refletir ouvindo apenas o canto dos pássaros, ou seja, o som da natureza. Cada vez esse lugar tornar-se mais raro, principalmente para quem mora na cidade grande.

Ouvimos tantos sons o dia inteiro que muitas vezes acabamos acostumados com essa barulheira toda sem darmos conta do grande mal que ela nos faz. É disso que vamos tentar falar neste texto que parece mais um poema com versos tocando cantigas de ninar aos ouvidos de vocês.

Antes de entrar no assunto propriamente mencionado no título, gostaríamos de falar um pouco sobre esse silêncio que é tão bonito e saudável à nossa saúde emocional e física. Estamos esquecendo de ouvir o som da natureza que se traduz no canto dos pássaros, nas ondas do mar, no vento nas folhas das nossas árvores e etc. Vamos caminhando para um barulho ensurdecedor de máquinas de todos os tipos ao nosso redor maltratando os nossos ouvidos e os nossos espíritos.

Há algumas tardes perto da minha casa onde o silêncio paira no ar e conseguimos ouvir a natureza cantar e falar conosco. Ainda acontece essas coisas por aqui. Mas, também tem dias que o barulho do som da casa de espetáculo que tem próxima da nossa rua só falta explodir os nossos ouvidos.

Eu fico me questionando como se sentem os bebês e as criancinhas. Se nós, adultos, nos sentimos perturbados com o barulho de uma música horrível, imagine esses seres tão pequeninos e que tanto precisam de cuidados.

Já não temos mais silêncio nas cidades grandes. Tudo é barulho demasiado. São aparelhos de som ligados em volumes altos, buzinas de carros, máquinas de fábricas, pessoas falando alto de madrugada e construções com as suas máquinas pesadas. O mundo perdeu a sua tranquilidade e ganhou uma porção de sons barulhentos que nada nos diz a não ser de que o homem contemporâneo está trabalhando por demais para conquistar o pão de cada dia para a sua família. Operários em construção são os que mais fazem barulho nas cidades grandes. Não posso reclamar deles. Estão fazendo os seus trabalhos.

Quem dera que as máquinas fossem mais silenciosas. Quem dera que as pessoas aprendessem a arte de ouvir e não tagarelassem tanto umas às outras. Dentro das nossas próprias casas, precisamos saber lidar com o barulho do liquidificador, da televisão em som alto, do irmão que toca bateria e da vizinha que grita o tempo todo com os seus filhos. Esses sons entram pelas janelas, pelas frestas das portas e vão direto para os nossos ouvidos nos afligindo. Nada podemos fazer. As crianças são as que mais sofrem com toda essa barulheira, principalmente as que ainda não sabem falar.

A poluição sonora nas cidades grandes é a segunda maior do meio ambiente, perdendo apenas para atmosférica. Sim, temos barulho por todos os lugares aonde chegamos. É gente falando, é carro buzinando, é vendedor gritando, é campainha tocando e tantos outros barulhos que possamos lembrar quando estamos sentados à espera de sermos atendidos em algum órgão público ou privado.

O barulho vem de todos os lugares. Lembramos do tempo em que éramos telefonistas e fazíamos de três em três meses exames de audição para saber como estava a nossa. O barulho daquelas vozes nos nossos ouvidos durante seis horas todos os dias era incômodo e doía em nós. Muitas amigas perderam a audição ou ficaram doentes. O atendente de telemarketing deve atentar para esse tipo de problema de saúde e se cuidar. Na empresa em que trabalhávamos, havia o cuidado sério com as telefonistas. Nem todas as empresas se preocupam com os seus profissionais, por isso o próprio indivíduo deve procurar cuidados.

Quando criancinhas, perto das nossas casas podíamos ouvir o som da natureza às cinco da manhã. Era a coisa mais linda do mundo. Talvez isso nunca mais volte a ser ouvido. O jumento lá longe dava o seu recado de que já estava acordado, os passarinhos faziam as suas festas nas árvores que se espalhavam pelos nossos quintais, as galinhas cacarejavam nos terreiros, os gatos e cachorros avisavam que o dia nascera e todos esses sons vinham numa sinfonia coletiva. Parece que a natureza combinava de fazer esses sons junto com todos os animais. Nós costumávamos ir ver o rio que passava perto das nossas casas. A água limpinha fazia barulho ao correr da cacimbinha e descer a ladeira. Parece até que estamos ouvindo esse som da nossa infância. A verdade é que o rio não existe mais e nem a cacimbinha. Foi tudo aterrado para a construção de casas e empresas.

O homem que destrói tudo, destruiu o nosso rio. Enquanto escrevemos este texto, escutamos uma cigarra cantar lá longe. As cigarras que são uma das coisas mais bonitas da natureza. Elas anunciam a chegada da noite na nossa cidade.

Temos muito barulho e muitos animais. Os animais além das criancinhas também sofrem muito com o barulho, principalmente os dos fogos de artifícios. Todo final de ano é a mesma coisa nas nossas casas, precisamos abraçar os nossos cachorrinhos para que não morram de medo do barulho desses fogos. Em seus pequenos ouvidos eles tornam-se um barulho enorme, várias vezes maior do que nos ouvidos dos humanos podendo chegar até a matar o animalzinho de infarto. Se fosse apenas um dia no ano ainda estaria bom, mas agora as pessoas resolveram soltar fogos de artifícios nos jogos de futebol e nas campanhas políticas. Qualquer coisa é motivo para queima de fogos. Essas pessoas que fazem isso parecem até que não convivem com animais, crianças e idosos. Elas mesmas não se respeitam. A audição é algo tão perfeito e maravilhoso e, se nós soubéssemos disso, cuidaríamos melhor das nossas.

Vocês já imaginaram como é a vida de uma pessoa surda? Os surdos no nosso país têm poucos direitos. Muitas escolas, órgãos públicos e privados não têm intérpretes de libras, língua oficial dos surdos no Brasil. A falta de intérpretes nessas instituições é grande. Até mesmo nas escolas e academias muitas vezes o surdo deixa de participar de alguns eventos porque não tem intérprete disponível. Não é nada fácil ser surdo no nosso país. Você já pensou querer assistir uma peça teatral, uma palestra, uma aula remota e não poder por que não há intérprete?

A língua de sinais devia ser oficializada em todas as escolas da educação infantil à graduação. É preciso dar voz aos surdos. Nos preocupamos com essa questão porque temos amigos e amigas surdos, mas também porque nos preocupamos com o bem-estar de toda comunidade surda nacional. Vivemos num país onde as pessoas com deficiências têm poucos direitos.

Que façamos barulho para essa comunidade possa ter os seus direitos garantidos principalmente nos postos de saúde, nos hospitais e nos shopping centers. Outro dia, ouvimos uma amiga reclamar de que foi ao posto de saúde do seu bairro e não tinha como se comunicar com o médico porque ele não sabia libras. E era um assunto muito pessoal para dividir com outra pessoa próxima. São esses pequenos detalhes que pedem a nossa participação na luta pelos direitos da pessoa surda.

Atualmente, temos visto muitas pessoas jovens perderem a audição. Antigamente, isso era comum nas pessoas idosas. Os jovens e isso serve de alerta para os pais das crianças também têm passado muito tempo com fones de ouvido escutando músicas ou ouvindo coisas nos seus celulares. Muitos jovens e crianças acham bonito e até charmoso usarem fones de ouvido caros e modernos. Existem fones de ouvido de todos os tipos e para todos os gostos. Outro dia, o meu sobrinho pediu para eu comprar um para ele. Disse que não. Ele ficou aborrecido comigo, mas depois me compreendeu quando lhe apresentei os motivos.

As crianças influenciadas pelos jovens adoram os fones de ouvidos. Algumas alegam que é para não incomodar quem está por perto ou apenas para a sua privacidade mesmo. O certo é que devemos evitar que os nossos jovens e crianças fiquem tanto tempo com esse aparelho.

Outra categoria que tem perdido a audição muito cedo são os trabalhadores de indústrias com máquinas barulhentas. Apesar de todo o cuidado que se possa ter através dos profissionais da segurança do trabalho dessas empresas ainda assim o barulho é tão violento aos ouvidos do trabalhador que ele não suporta e acaba adoecendo. Tem até profissionais desse ramo que recebem insalubridade por trabalharem com essas máquinas barulhentas. Passar seis a oito horas ouvindo o barulho de uma máquina deve ser muito difícil e dolorido ao espírito e ao corpo.

Homens de 35 a 50 anos estão perdendo a audição devido as horas que passam diante dessas máquinas. Muitos desses profissionais depois de perderem a audição são demitidos e não recebem os seus direitos como manda a lei. Diga-se de passagem, a lei trabalhista no Brasil ainda está cada vez mais ausente da vida do trabalhador. Os direitos e garantias nunca são ofertados como deveriam porque falta sempre um órgão para fiscalizar as indústrias e empresas.

canal auditivo de uma criança é muito menor do que de um adulto e a pressão que entra no ouvido dos pequenos é maior, aumentando os riscos de problemas auditivos. Mas essa não é a única preocupação, já que a exposição a altos níveis de ruído também atrapalha o desenvolvimento e o aprendizado. 

A exposição a barulhos e ruídos afeta não somente a criancinha, mas também o bebê na barriga da sua mamãe que a partir do sétimo mês de gravidez já consegue ouvir os sons externos. Mesmo protegido pelos músculos da barriga da mamãe, o bebê consegue ouvir todo o barulho externo e isso afeta a sua audição e emoções. O bebê na vida uterina já começa a sofrer com os problemas do mundo aqui fora, muitas vezes nascendo com traumas e medos que costumamos responsabilizar a outros fatores.

Muitos pais e mães no estresse do dia a dia costumam falar com os seus filhos gritando. Talvez para imporem autoridade e procurarem disciplinar as crianças gritam com elas como se não pudessem ouvi-los se falassem num tom de voz agradável. As crianças que recebem gritos acabam aprendendo a gritar também porque elas sempre imitam os pais e isso vai desencadear problemas emocionais graves na vida adulta.

Ninguém gosta de ouvir gritos. É educado e respeitador conversar baixinho com a criança. Da mesma forma que um grito afeta o emocional da criança também ela é afetada pelos barulhos que vêm de fora da sua casa e entram no seu pequeno mundo. Elas não sabem o que está acontecendo do outro lado das suas casas, mas não conseguem dormir com os barulhos dos carros e dos aparelhos de som dos seus vizinhos.

Nas escolas, o problema da poluição sonora ainda é muito maior. Escolas que não são bem planejadas nas suas construções escutam todos os tipos de ruídos e barulhos que vêm lá de fora. As crianças não conseguem ouvir a professora e a professora grita o tempo todo para que seja ouvida. É um sofrimento ouvir a voz da professora com o barulho das buzinas e de motores dos carros e ônibus. Também tem o barulho que vem da quadra esportiva onde as outras turmas torcem pelos seus times favoritos. As crianças não conseguem aprender desse jeito. É na idade escolar que as crianças estão mais expostas a ruídos elevados e suas complicações.

Na escola, a poluição sonora e a falta de tratamento dos ruídos geram dificuldades de comunicação e aprendizagem, prejudicam o desenvolvimento escolar, além de aumentar o estresse e a frequência cardíaca. Muitas vezes não se sabe o motivo da criança está tão ansiosa ou sofrendo com outras emoções que sozinha não sabe lidar, tudo isso pode vir do barulho com o qual tem que enfrentar todos os dias na escola para tentar compreender o que lhe é ensinado e não ser reprovada no final do ano letivo.

A falta de acústica adequada nas escolas afeta estudantes e professores. Se a sua escola estiver enfrentando barulhos e ruídos externos procure chamar um profissional para que ele possa elaborar um projeto que diminua esse barulho. A NBR 10.151 estabelece que os níveis de pressão sonora para ambientes externos em áreas escolares são de 50 dB no período diurno e de 45 dB durante a noite. Já em ambientes internos os níveis de conforto acústico, de acordo com a NBR 10.152, são os seguintes: 35 a 45 dB em bibliotecas, salas de música e desenho, 40 a 50 dB em salas de aula e laboratórios, 45 a 55 dB em áreas de circulação. Na verdade, esses valores não são respeitados. Há escolas onde o barulho chega a 90 dB. Quando há festas nas escolas também deve-se ter o cuidado para os aparelhos de som que são utilizados não machucarem a audição das crianças. Todo cuidado é necessário e desejável.

As escolas devem ser planejadas antes da construção atendendo as normas acimas, ou seja, com uma acústica adequada, principalmente as que ficam próximas de aeroportos e rodovias. Alguns problemas acústicos podem ser minimizados já na definição do layout da escola. Nessa fase, o projetista acústico vai identificar quais são as áreas mais sensíveis e separá-las das mais barulhentas por corredores, divisões de edifícios etc. Esse zoneamento é utilizado ainda para evitar que fontes ruidosas como a quadra de esportes, por exemplo, fiquem próximas de áreas sensíveis. Um bom projeto evitará que o barulho perturbe as crianças e os professores, sendo assim o ensino-aprendizagem estará garantido.

As crianças que crescem em meio a gritos e barulhos tendem a ter comportamentos agressivos devido estarem extremamente estressadas com o barulho que chega de todos os cantos e lugares. A criança não sabe como agir com todo aquele barulho que nunca para e continua perturbando o seu sono, os seus estudos e o filme na televisão. Muitas dessas crianças apresentam choros inesperados e fazem xixi na cama mesmo depois de grandes. Quando isso acontece é porque elas não estão sabendo como lidar com tanto barulho.

Os pais devem ficar atentos a certos tipos de reação das crianças como a televisão ligada num volume mais alto do que o normal quando não há tanto barulho por perto. Isso é sinal de que a sua audição, de certa forma, está sendo prejudicada por algo, quer seja em casa ou na escola.

Muitas crianças que têm problemas de audição sentem vergonha de usar o aparelho no ouvido com receio de sofrerem bullying e acabam, escondidas dos pais, tirando o aparelho ao chegarem na escola. Com isso, muitas acabam perdendo os seus aparelhos auditivos e inventam as mais diversas mentiras para não serem castigadas. Isso também é um problema escolar. A escola precisa combater esse tipo de bullying, pois a criança necessita do seu aparelho para ouvir bem seus colegas e a sua professora.

Certa vez, peguei as crianças no meio do recreio da escola onde dava aulas brincando com o aparelho auditivo do amiguinho enquanto ele pedia, desesperadamente, para que o devolvessem. O que é mais esquisito nisso tudo é quando alguém sabe que a criança tem baixa audição e fala de seus medos e dificuldades para outra pessoa sem saber que ela pode ler os seus lábios. As crianças são inteligentes por demais como sempre digo aqui. Isso pode deixá-la muito triste e até depressiva. É preciso cuidado quando se convive com essas crianças para que elas não se sintam rejeitadas ou excluídas de alguma tarefa só porque não ouvem bem.

Também temos visto muitas crianças frequentando consultórios de médicos cardiologistas. Algumas apresentam problemas de arritmia cardíaca logo cedo. Os seus pequenos corações não dão conta de tanto barulho. Os gritos que vêm de quem mais amam causam tremor e medo. Os seus lindos sonhos passam a ser pesadelos. Não conseguem dormir bem a noite toda e se sentem sozinhas e abandonadas quando os pais não permitem que durmam na cama com eles. Aquele barulho insuportável lá fora parece não cessar nunca e os seus ouvidos estão doendo com tudo ao seu redor.

Sem conseguir dormir, a criança começa a chorar e a gritar por ajuda acordando os seus familiares. Isso ocorre com os bebês também. Sendo que alguns bebês quando ouvem sons conhecidos sorriem e quando são vozes ou sons que nunca ouviram tendem a chorar como se quisessem nos chamar a atenção para tudo aquilo que lhes é estranho. O bebê não deve ser forçado a ouvir um adulto estranho tentar niná-lo, pois ele pode sentir medo ao invés de conforto e segurança.

A poluição sonora afeta a todos nós, na verdade. Sendo as crianças as mais prejudicadas, por isso devemos cuidar de sempre que possível as levarmos para um lugar sossegado onde só escutem o som da natureza. Colocar a criança para dormir cantando músicas de ninar com a voz doce ou contando-lhes histórias vai acalmá-la e confortá-la. Sempre que se dirigir a uma criança mantenha a voz calma e tranquila para não a assustar. Quem fala de forma branda e suave também é ouvido por todos. Você não precisa gritar como se estivesse numa feira para chamar a atenção da sua criança. Acostume-a a lhe ouvir com apenas um gesto ou uma palavra dita baixinha e docemente. O grito é uma agressão aos ouvidos da sua criança.

E para finalizarmos deixo você, querido leitor, com os versos do meu poeta português predileto, Alberto Caeiro, o poeta da natureza que nos diz “Eu não tenho filosofia: tenho sentidos… / Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é. / Mas porque a amo, e amo-a por isso, / Porque quem ama nunca sabe o que ama / Nem por que ama, nem o que é amar…”

Que os sentidos das crianças possam ser amados com bastante amor, mesmo a quem não sabe o que ama e que ama a criança tanto que é para ela os seus ouvidos e voz. Silêncio, por favor, vai começar a historinha!

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

1 COMENTÁRIO

  1. Boa reflexão barulho é algo mesmo que particularmente me incomoda muito, sou grande apreciadora do silêncio.

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