Ensino Médio em mudanças

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O Instituto Estadual Cecy Leite Costa, uma escola exclusiva de Ensino Médio, também conhecida como a “Gigante da Presidente Vargas”, é dirigida pelo professor Rodrigo Gomes Rodrigues. 

O educandário tem 55 anos de história, é uma das Escolas Piloto do Novo Ensino Médio, possui quase 1 mil estudantes de Ensino Médio nos turnos da manhã, tarde e noite. Sua característica é agregar jovens de diferentes regiões da cidade de Passo Fundo, seja por ser uma escola de Ensino Médio em 3 turnos, seja pela logística do transporte público ou seja, também, por ser uma referência de qualidade na educação.

Rodrigo Gomes Rodrigues coordena uma equipe diretiva jovem, que procura oferecer as melhores condições para oportunizar aprendizagens significativas aos estudantes, bem como organizar um bom apoio ao trabalhado pedagógico dos professores e professoras. 

Nesta entrevista, Rodrigues nos falará dos desafios da educação de Ensino Médio e dos desafios de ser gestor neste momento histórico.

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SITE NEIPIES: Rodrigo Rodrigues, quando, como e porque a tua decisão de servir à educação e à esta Escola como diretor?

Rodrigo Gomes Rodrigues :Venho de família simples e os melhores exemplos que tive em minha vida se deram pela educação. Tive que trabalhar desde cedo e, por isso, terminei meus estudos fora do tempo normal. Mas sempre gostei de estudar de fazer leituras. Participei do Movimentos de Escoteiros desde o ano de 1985, e em determinado tempo como adulto voluntário. Durante a minha participação como adulto voluntário ajudei muitas crianças e jovens, de alguma forma fazer a diferença na vida deles. Mas também percebi que poderia ajudar mais, ajudar de outra forma, por isso resolvi me tornar professor. 

A minha paixão pela leitura e de uma curiosidade muito aguçada me ajudaram a escolher a Filosofia como caminho de meus estudos.

Iniciei a minha caminhada na Escola Cecy em 2014. Iniciei em sala de aula, logo na coordenação pedagógica e depois vice-diretor do noturno na gestão que nos antecedeu.

A vivência que tive nas funções fora de sala de aula me proporcionaram outras perspectivas sobre uma escola. Pude perceber algumas coisas que somente em sala de aula não conseguimos observar. Uma delas foi o decréscimo no quantitativo de alunos que procuravam a nossa escola. Logo, apontamos muitos outros problemas dentro da estrutura da escola. Sabemos que a educação passa por grandes transformações e problemas, sobretudo, passa por grandes necessidades, mas alguns podem ser resolvidos na sua origem dentro da escola.

No final de 2018, juntamente com alguns colegas, resolvemos pensar novos caminhos para a nossa escola, pensamos em um projeto de gestão moderno e participativo. Logo surgiu como ideia principal, uma educação qualitativa e igualitária, como resgate da boa Educação como principal atrativo e benefício do estudante. Sabíamos que os desafios eram muitos e diários, e que poucos enfrentam o desafio de estar à frente de um escola, principalmente uma escola do tamanho do Cecy. A partir deste grupo e da procura de alguns colegas solicitando que eu estivesse a frente deste projeto, resolvi aceitar o desafio. Assim encaramos juntos este desafio e continuamos com muitas expectativas sobre o futuro de nossa escola, mais ainda, sobre a educação como um todo. Pensar uma educação de qualidade e de forma igualitária em uma escola pública dentro das perspectivas educacionais é um desafio muito grande, mas isso não nos esmorece.

SITE NEIPIES: Quais foram, e estão sendo, os maiores desafios de uma gestão escolar em tempo de tantas mudanças na sociedade e em tempos de pandemia e de isolamento físico e social?

Rodrigo Gomes Rodrigues: Nosso projeto de gestão, desde o início, teve como escopo o resgate de uma educação qualitativa e de alguma forma atraente. Pensamos um projeto de gestão e o batizamos como “Raízes” com o pensamento na realização de muitos projetos, e logo cresceriam os “galhos” na forma de trabalho e na melhora da qualidade da educação, e, por fim, colheríamos os “frutos” na realização de tudo que foi pensado e sonhado.

No entanto, penso que ainda não conseguimos firmar as raízes, uma vez no primeiro ano do gestão, onde fincaríamos nossas raízes, pois estávamos nos ambientando com as responsabilidades e problemáticas da função, passamos por uma greve de categoria que certamente desestabilizou o andamento de todo planejamento. Já no segundo ano, nossos galhos cresceriam, iríamos concretizar nossos projetos, chegou a pandemia e com ela o afastamento daquele que são a razão de estarmos na escola, ou seja o aluno. Tudo isso dificultou as realizações. Somos uma equipe nova, em uma situação atípica. Acredito que tudo que passa pela Direção de uma escola torna-se um desafio. Mas o maior de todos é tratar de questões humanas, da formação do ser humano sem o contato físico. Sem dúvida, o trato direto com as pessoas, com o ser humano em si fica distante e muito difícil de dar seguimento ao trabalho. Pois repassar dados e informações pelo computador é fácil, mas como ajudar o jovem a transformar esses pequenos pontos de informação em conhecimento, como ajudar eles a manipular estas informações isoladas. Por este motivo penso que o contato com o professor, a convivência diária com a estrutura física, material e humana na escola é o elo da relação entre o estudante e o conhecimento. Esta distância e afastamento tem sido sem dúvidas o maior entrave na relações entre todos os sujeitos da escola.

SITE NEIPIES: O que caracteriza ou marca o Instituto Estadual Cecy Leite Costa ao longo de sua história e em sua história recente?

Rodrigo Gomes Rodrigues O Cecy sempre teve uma características ímpar, diferenciada das demais escolas, somos uma escola apenas de Ensino Médio e Curso Técnico. Somos considerados por muitos como uma escola de passagem, de formação ou preparação para o curso superior ou cursos técnicos. Recebemos alunos de muitas escolas, de muitos bairros, que não tem o vínculo dos anos iniciais ou a sensação de pertença e até mesmo a identificação com a escola que carregam de suas escolas do Ensino Fundamental, pois estudam desde pequenos. Geralmente, já chegam com a ideia da partida, de que após os três rápidos anos do Ensino Médio estarão no curso superior, curso técnico ou em suas vidas.

Estamos tentando mudar essa ideia, desde o acolhimento na chegada nos primeiros dias, mas também no entendimento do seu papel e das responsabilidades com a escola durante a sua formação. Tentamos fazê-los socializar ao máximo com atividades diferenciadas, para que consigam compreender a importância da escola Cecy na sua formação, sem nunca deixar de cumprir o papel de formação ou preparação.

SITE NEIPIES: Como avalias o perfil do estudante que acessa o nosso Instituto? Quais são suas maiores necessidades?

Rodrigo Gomes Rodrigues: É difícil mapear um perfil aproximado de nosso alunos, pois recebemos jovens de aproximadamente 45 bairros da cidade. Temos jovens que chegam dos bairros mais distantes e até o centro da cidade. Jovens que vem de escolas municipais e aqueles que migram das escolas particulares. Percebemos as mais variadas culturas dentro da escola, do skate a poesia, da cultura Geek ao futebol. Muitos paralelos que se cruzam formando esta grande tribo chamada escola.

Mas é claro que, com tantas diferenças, surgem muitas necessidades. É claro que a cognitiva é o ponto de partida. Mas, se tratando da condição humana, percebemos que cada vez mais os jovens chegam na escola com grandes necessidades emocionais, de aceitação relacionados a família e a sua sexualidade, com um considerável número de casos de depressão.

Não menos importantes, são os casos dos alunos com grandes necessidades financeiras em suas casas. Essas necessidades passam pelo vestuário, pela dificuldade de pagar o transporte para chegar à escola, mas principalmente pela parca alimentação em suas casas.

Por esses motivos, a escola se torna um dos lugar “plural” de ideias e de vidas, é um organismo vivo e pulsante, com muitas possibilidades, talvez podendo ser considerado um “multiverso”, sem um perfil exato de seus habitantes, apenas com necessidades e vontades. 

SITE NEIPIES: Como uma grande escola de Ensino Médio, o Instituto promove atividades culturais e integrativas com seus estudantes como Gincanas Culturais, o Fesdance, Desafios Cecy e outras. Qual é a importância destas atividades para a qualidade da educação e da aprendizagem?

Rodrigo Gomes Rodrigues: A organização do trabalho tem de ser pensado para que tudo seja possível. Temos uma grande equipe pedagógica, sempre atenta. A organização do calendário escolar é de suma importância. E quando planejamos as atividades, pensamos em satisfazer as necessidades além do aprendizado ou necessidades cognitivas, mas pensamos em acolher e trabalhar necessidades sociais e culturais. O justificativa do aprendizado nessas atividades está além da sala de aula.

Pensamos toda e qualquer atividade extra classe como elemento de suma importância na formação do ser humano.

A ideia de todas as atividades realizadas na escola estão intrinsecamente vinculadas ao aprendizado e ao acolhimento, na ideia de passar o sentimento de pertença sem perder a essência do aprendizado. Somos seres que se formam de um conjunto de fatores, seres sociais, formados não só de conhecimento, mas de muitos elementos que vivenciamos em nossa existência. E por isso que justificamos todas essas atividades, em forma de vivências dentro da escola, porque talvez nosso alunos não as tenham em outros ambientes.

SITE NEIPIES: O que mudou depois que o Instituto Estadual Cecy Leite Costa passou a ser Escola Piloto do Novo Ensino Médio? Como o senhor avalia as mudanças do novo Ensino Médio?

Rodrigo Gomes Rodrigues: Toda mudança causa espanto e também desacomodação. O processo de adaptação ao Novo Ensino médio não poderia ser diferente, e nos trouxe todas essas sensações, de imediato. Tudo é novo nesse momento, e acredito com muitos pontos positivos. A escola toda está mobilizada, pois é um momento de grandes mudanças e aprendizado. Também com grandes transformações e adaptações na estrutura físicas dentro dos ambientes da escola, bem como com todos os professores.

E, no momento em que as coisas iriam acontecer, ficamos com muitas expectativas em relação ao futuro, já que, com o advento da pandemia não conseguimos dar prosseguimento em muitos projetos que estavam relacionados com o N.E.M. Desta forma, acredito que ainda é precoce uma avaliação fidedigna, mas as expectativas são muito positivas.

SITE NEIPIES: Qual é a importância de um educandário tão grande para a formação dos jovens em nossa cidade Passo Fundo? 

Rodrigo Gomes Rodrigues: Acredito que não só pelo tamanho físico, mas pelo trabalho transformador da escola afetando diretamente o sujeito, aluno/cidadão, é de uma importância sem tamanho, que ultrapassa as barreiras físicas e estruturais de qualquer instituição. A importância que o Cecy tem para os seus alunos, é a mesma que o aluno tem para o Cecy. 

O meio transforma o sujeito, e este é o tamanho da importância que o Cecy tem na vida de cada aluno que passa por esta escola.

Mas o aluno também deixa as suas características e influências por onde passa, e essa energia social fica na escola, nas lembranças de ex-alunos, e antigos professores.

Somos seres de escolhas e vivências, imitamos a vida, copiamos aqueles com quem convivemos, produzimos a nossa identidade social. E cada elemento, situação, fato ou lugar, tem o seu papel dentro dessa história. E por este motivo, acredito que o Cecy tem um lugar muito especial na vida de cada um que passou por esta escola.

SITE NEIPIES: Como é, para o Senhor, como diretor, ver uma escola tão grande sem a presença física dos estudantes todos os dias, nestes dias de isolamento físico e social?

Rodrigo Gomes Rodrigues: Sem dúvida nenhuma, é um sentimento de muita tristeza. A única razão do Professor estar dentro de uma escola é o aluno. 

Uma escola vazia, sem o aluno, não é uma escola, é apenas um prédio com classes e livros.

Um prédio vazio nos faz pensar em todos os alunos, em todos os movimentos existentes, as tribos culturais, a bagunça, gritos e correria pelos corredores, os atrasos, a música no intervalo, os sorrisos e os choros típicos da idade. Prédio vazio me lembra os professores e suas angústias, pelo baixo salário e sua desvalorização, mas que sempre zelam pelo bem seus alunos e nunca deixam de acreditar no amanhã. Lembra de todos os problemas para resolver. Bate uma saudade dos pais, professores, alunos, da alegria de ter uma escola cheia de vida e sorrisos. Enfim, uma escola vazia não faz sentido, é apenas um prédio com classes e livros.  

SITE NEIPIES: Na avaliação de gestor de uma grande escola de Ensino Médio, o que deveria mudar para promovermos maior qualidade de educação e de aprendizagem?

Rodrigo Gomes Rodrigues: Fundamentalmente, eu acredito que um dos pilares da qualidade do ensino passa pela valorização e formação dos educadores. Tem que preparar aquele que vai trabalhar com a educação, dar subsídios intelectuais e estruturais em todos os sentidos. Valorizar o professor, não só financeiramente, mas socialmente, atribuir respeito a esta profissão. 

Hoje o professor é marginalizado, vive à margem da dignidade, precisa trabalhar em muitas escolas, e muitas vezes em outras profissões. Infelizmente, o professor não consegue se dedicar ao seu ofício, a dar continuidade na sua formação, dedicar tempo a uma leitura, ou a um curso de aperfeiçoamento. 

O ócio produtivo não existe para o professor, pois sequer dá conta de suas atribuições formais, que por sinal, são muito mais burocráticas do que pedagógicas.

Outro elemento está fundamentalmente relacionado com a qualidade da educação, refere-se ao motivo desta nobre arte de lecionar, ou seja o nosso querido aluno. Não acredito em educação de qualidade enquanto não existir uma relação de igualdade social entre todos os sujeitos de uma sociedade. O jovem deveria somente estudar em seu tempo de aprendizado, poder pesquisar, apaixonar-se pela leitura ou pelo teatro, escolher o que fazer de sua vida sem precisar se preocupar com um trabalho, ou em levar dinheiro para a sua casa.

Cada vez mais os jovens perdem o interesse pelo estudo, mas isso não é gratuito, pois trabalhar o dia todo em condições de grande esforço e a noite estudar não é para qualquer um. Ou estudar em um turno, trabalhar no outro e cuidar dos afazeres de casa em um terceiro turno nunca vai dar condições de uma qualidade de aprendizado ou qualidade na educação desses jovens. 

SITE NEIPIES: Qual é a mensagem que gostaria de deixar aos jovens estudantes, aos seus pais e mães, aos professores e professoras, neste final de ano de 2020 tão conturbado e desafiador para a educação?

Rodrigo Gomes Rodrigues: Que em 2021, possamos retomar o equilíbrio de nossas atividades. Que possamos retornar o nosso convívio, com educação, respeito e a amor ao próximo. Que este tempo tenha servido para uma reflexão sobre a vida e as prioridades. Que os alunos sejam sempre os protagonistas de nossa escola, mas que nunca esqueçamos daqueles que os ajudam nesta caminhada e que possamos sempre manter o respeito mútuo. 

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