Crianças necessitam de colo, não de celulares. Esta frase, tão simples e direta, carrega em si uma urgência silenciosa, um apelo que pulsa em cada olhar perdido de uma criança isolada diante de uma tela.
Em tempos em que o brilho do visor substitui o calor do abraço, é preciso lembrar que os pequenos não nasceram para o silêncio digital, mas para o som da vida ao redor — o canto dos passarinhos, o riso dos amiguinhos, o vento correndo entre os cabelos em uma tarde no quintal.
A infância é feita de toque, de presença, de cheiro de bolo saindo do forno e do barulho das folhas sob os pés. A infância precisa de olhos atentos, de mãos que acolhem, de braços que protegem — e não de notificações que apitam a cada distração. As crianças são frágeis como brotos recém-nascidos: se não forem cuidadas com paciência, amor e firmeza, podem se entortar diante das correntes mais fáceis.
Os celulares, com todo o seu apelo hipnótico, oferecem atalhos para um mundo onde a presença do outro se torna desnecessária. Mas o que parece conforto, na verdade é distância; o que parece entretenimento, muitas vezes é vazio.
Elas correm o risco de se tornarem reféns de algo que jamais poderá oferecer colo. Um aparelho frio, silencioso na alma, que jamais saberá acolher um choro, ouvir uma dúvida ou rir junto de uma travessura. E assim, pouco a pouco, a criança pode esquecer da vida lá fora — aquela onde o carrinho de plástico era um foguete, onde a boneca era filha, onde o quintal era floresta encantada. Pode esquecer do amigo que bate à porta, da bicicleta que range mas ainda corre, do cachorro que abana o rabo esperando uma aventura.
O mundo real, aquele que se toca e se sente, começa a desaparecer por detrás da tela, como se fosse um velho livro deixado na prateleira mais alta da memória.
Mais do que brinquedos ou telas, as crianças precisam viver próximas da natureza. Precisam sujar os pés de barro, correr atrás de borboletas, ouvir histórias sob a sombra de uma árvore, aprender a esperar a flor desabrochar. Precisam de pessoas — de gente que as ame, que saiba dizer “não” com doçura e “sim” com sabedoria. Gente que as abrace quando errarem, que lhes ensine que o erro não define quem somos, mas nos mostra onde precisamos crescer.
O colo que educa é o mesmo que consola. E só nele a criança aprende que amor de verdade não exige perfeição, mas entrega.
Nesse colo, ela vai aprendendo que só o bem merece nossa atenção. Que palavras duras, se forem ditas, devem ser pesadas com cuidado. Que bater não é resposta, que zombar é ferida. E que, quando alguém erra, é preciso mostrar o caminho certo com gentileza, sem repetir com outro a dor que um dia sofreu. As coisas más, uma vez reconhecidas, precisam ser deixadas para trás como folhas secas que o vento leva. Guardar rancores, repetir agressões, espalhar injustiças — tudo isso é peso demais para um coração tão pequeno.
As crianças precisam de histórias contadas no colo, e não de vídeos acelerados. Precisam de silêncio e de música, de perguntas sem pressa, de tempo para desenhar o mundo com suas próprias cores. Precisam de alguém que, mesmo no meio do caos do mundo moderno, saiba parar, olhar nos olhos e dizer: “Eu estou aqui com você. Sempre estarei.”
Que jamais esqueçamos: uma infância vivida entre telas pode produzir adultos que não saibam onde encontrar abrigo. Mas uma infância vivida entre abraços produz seres humanos inteiros, capazes de oferecer colo ao mundo. E no fim, talvez seja esse o nosso maior propósito: sermos colos uns para os outros, começando pelos pequenos.
O colo, este gesto tão antigo e essencial, é muito mais do que um abrigo físico. Ele é uma linguagem que dispensa palavras. No colo, a criança sente-se inteira, sente-se parte de algo maior, sente que existe um lugar no mundo reservado apenas para ela, onde está segura e amada. É ali que ela aprende sobre o tempo: o tempo de esperar, o tempo de confiar, o tempo de ser. É ali que o choro se transforma em suspiro, que o medo vira descanso, que a raiva encontra consolo.
No colo, a criança entende que o mundo pode ser um lugar bom, mesmo com suas tempestades.
Quando se troca esse gesto milenar por uma tela, por um celular entregue apressadamente para acalmar ou entreter, há uma quebra silenciosa de vínculo. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de reconhecer que ela não tem braços. Um vídeo pode entreter, mas não acolhe. Um jogo pode distrair, mas não orienta. Uma chamada pode conectar, mas não sustenta. O colo ensina o mundo como ele é — imperfeito, imprevisível, mas repleto de amor quando bem cultivado. Já a tela, quando usada em excesso, ensina um mundo moldado para agradar, sem frustração, sem espera, sem verdade.
As crianças são espelhos do que recebem. Se recebem paciência, aprendem a ser pacientes. Se recebem presença, aprendem a estar presentes. Se recebem afeto, sabem como distribuí-lo. Mas se recebem ausência disfarçada de distração, correm o risco de crescer sem saber como lidar com suas próprias emoções, buscando nelas o mesmo alívio digital que um dia lhes foi oferecido para acalmar o choro ou evitar uma conversa difícil.
As emoções infantis não podem ser silenciadas com o botão de volume. Elas pedem nome, espaço, compreensão. Uma birra é muitas vezes um pedido mal formulado de atenção. Um choro longo pode ser uma tentativa de se fazer ouvir em meio ao barulho do dia. Uma pergunta repetida pode ser só uma maneira de confirmar: “Você ainda está aí comigo?” — e a resposta nunca deveria vir de um aplicativo.
E há ainda o mundo lá fora, esse mundo real que pulsa e se movimenta em folhas, em cheiros, em trilhas de formigas, em poças de lama que viram mares nas brincadeiras de faz-de-conta. As crianças precisam caminhar sobre a terra para sentirem que fazem parte dela. Precisam subir em árvores, cair e levantar, tropeçar e rir. Precisam das texturas da vida para formar suas próprias histórias. Histórias que não vêm prontas em vídeos de um minuto, mas que se escrevem lentamente, entre tardes de chuva e manhãs de sol.
E quando erram — porque todas erram — o que elas mais precisam não é de castigo seco ou de distanciamento, mas de um colo que as ensine.
Um colo firme, que mostre a consequência, mas não as abandone. Um colo que diga: “O que você fez não foi certo, mas eu continuo aqui. Vamos aprender juntos.” Isso é educar. Isso é criar seres humanos que sabem reconhecer o erro e transformá-lo em lição, em vez de carregá-lo como culpa.
A infância é o terreno onde tudo floresce. E sem o calor do colo, sem o som da voz próxima, sem o olhar atento, esse terreno pode secar. A criança que vive conectada ao mundo digital e desconectada do mundo afetivo pode crescer sem raízes, sem sombra, sem fruto.
Por isso, lembremo-nos: mais do que nunca, as crianças precisam de braços disponíveis, de tempo desarmado, de amor com presença. Que sejamos os colos de que elas precisam, hoje e sempre. Porque quando o colo é abrigo, a criança aprende a ser abrigo também — para si e para o mundo.
Nos tempos de agora, quando telas coloridas tomam conta das pequenas mãos, é urgente lembrar que o que uma criança mais precisa não é de pixels, mas de afeto. Ela precisa de um colo firme que a acolha quando chora, que a escute quando se perde em suas confusões internas, que a embale mesmo quando está em silêncio.
O celular não tem cheiro de mãe, nem o calor de um abraço. Ele não olha nos olhos, não interpreta lágrimas, não conhece o som do riso de um filho.
As crianças são frágeis, pequenas sementes lançadas no mundo. Se não forem regadas com amor verdadeiro, crescem sem saber a direção do sol. Correm o risco de se tornarem reféns de notificações, distraídas por uma realidade fabricada que as afasta da vida de verdade — aquela feita de terra no pé, de correr atrás de bola, de rir alto com os amigos. Se esquecem do mundo lá fora, dos brinquedos que inventam aventuras, dos cheiros de flores e da chuva na pele.
Elas precisam da presença dos adultos que as amam. Precisam viver perto da natureza e de pessoas que as façam sentir que pertencem, que são importantes mesmo quando erram. Porque errar faz parte do crescimento. E é nesse momento que o colo é mais necessário — não para proteger do erro, mas para ensinar que o erro não é um fim, e sim um começo para aprender. Ensinar que só o bem merece nossa atenção. Que as coisas más devem ser deixadas para trás, e jamais repetidas com ninguém.
O colo ensina sem palavras. É nele que a criança aprende a confiar. A sentir segurança para ser o que é. E a amar de volta.
Como escreveu o educador e médico Janusz Korczak:
“A criança não é um adulto em miniatura. Ela é um ser completo, com direitos, sentimentos e pensamentos próprios. Dê amor, não porque ela erra, mas porque ela precisa aprender a amar.”
Que nunca nos esqueçamos disso. Colo, afeto, presença: são os primeiros alimentos da alma de uma criança. Muito antes de qualquer tecnologia.
Autora: Rosângela Trajano. Também escreveu e publicou no site “Por que não devemos chamar palavrões na frente das crianças”: www.neipies.com/porque-nao-devemos-chamar-palavroes-na-frente-das-criancinhas/
Edição: A. R.
Já são 142 publicações de Rosângela Trajano, também conhecida como Danda Trajano. Agradecemos por tudo e por tanto! Suas reflexões sempre são instigantes e provocadoras de novos saberes. Parabéns!