Cidade educadora e pedagogias dialógicas e humanizadoras

1278

A cidade de Soledade, RS, faz sua adesão ao Movimento Cidades Educadoras em 2018. Desde então, e desde antes, vinha e vem consolidando uma abordagem, uma pedagogia que vai tornando a cidade um melhor lugar para se viver, a partir do reconhecimento dos diferentes sujeitos que a constituem e a partir de ações que promovem a inclusão, a cidadania, a cultura e o protagonismo dos cidadãos e cidadãs.

Soledade vem fazendo a experiência da Cidade Educadora com protagonismo da Secretaria Municipal de Educação, mas também buscando o envolvimento de outros setores e secretarias da Administração, pelo princípio da intersetorialidade.Nesta entrevista, Adria Brum de Azambuja, secretária de Educação, relata e exemplifica os desafios da adesão a este movimento e as estratégias diárias e cotidianas que permitem as vivências de cidadania e participação numa cidade educadora.

SITE NEIPIES: Em que contexto educacional a cidade de Soledade fez a sua adesão ao Movimento Cidades Educadoras?

Ádria Brum de Azambuja: Esse trabalho teve seu caminho iniciado com uma gestão municipal mais participativa e ações com o Programa Municipal de Formação Permanente dos Trabalhadores da Educação – PROFORMA, propondo reflexões sobre os anseios das escolas, bairros e da própria cidade. Salas temáticas reuniram professores e a comunidade escolar para pensar e promover ações práticas. Portanto, o ingresso da cidade na AICE, correu pela mobilização do SME em torno da práxis como núcleo fundante do oficio dos educadores, possibilitando a ressignificação da formação continuada dos professores alicerçada no diálogo problematizador, para pinçar do cotidiano da escola os elementos fundamentais implicados na construção de um currículo significativo  que  envolve  os  sujeitos  enquanto  agentes  de  transformação da  realidade a sua volta. Esse processo estabeleceu novas formas de poder entre as escolas municipais e a comunidade local e global. A partir disso, os projetos educacionais construídos coletivamente passaram a discutir as possibilidades educadoras da cidade, seguindo os princípios da Carta das Cidades Educadoras. 

Para saber mais: https://www.edcities.org/pt/carta-das-cidades-educadoras/

Soledade foi a 16ª cidade brasileira e a 5ª no estado do Rio Grande do Sul a ingressar na Associação Internacional de Cidades Educadoras – AICE.

Por intermédio do Programa UniverCidade Educadora e Inteligente: Circulando Cidadania, desenvolvido  pela Universidade de Passo  Fundo – UPF,  com o objetivo de aproximar a universidade  das  experiências  das  cidades  educadoras e assessorar a difusão de práticas educativas  inspiradas nos princípios da Carta  de  Barcelona, foi possível  discutir  as  ações  de  gestão,  potencializar e redefinir intervenções que congregam para a promoção do direito humano à cidade a todos os cidadãos e cidadãs.

SITE NEIPIES: O que, na sua visão, é essencial para que uma Cidade expresse e vivencie as intencionalidades e os princípios da Carta das Cidades Educadoras?

Ádria Brum de AzambujaUma Cidade Educadora não se limita a vivenciar os recursos pedagógicos somente nas escolas, mas se estende como agente educativo por todo seu território e a todos os seus cidadãos, é uma cidade que se relaciona com todo seu potencial estético, ambiental, de comunicação e criação, mediante o diálogo intersetorial com e para a cidade.

SITE NEIPIES: Como a secretaria Municipal de Educação participa e se mobiliza na concretização de ações educativas da Cidade Educadora?

Ádria Brum de Azambuja: O processo de gestão democrática participativo vivido no Sistema Municipal vem extrapolando os limites das escolas e da própria Secretaria de Educação, desafiando os sujeitos a entrelaçarem-se com a cidade e a participarem, responsavelmente, da gestão em outros setores da administração pública municipal. A participação intersetorial tem contribuído para a realização de projetos que favorecem o exercício da cidadania.

O projeto educacional vertente das ações de cidade educadora, traz na sua gênese a decisão política de materializar a gestão democrática assentada na participação dos diferentes atores sociais na elaboração e concretização de objetivos, metas e estratégias que desafiam os envolvidos a pensar a cidade na cidade, para a cidade e coma cidade.

Pensar a cidade na perspectiva educadora supera a ideia de mais um projeto coletivo ou uma temática participativa, mas configura-se numa intencionalidade política que demanda ações planejadas e articuladas a partir do processo educativo. Não é algo dado, não está pronto, não é tarefa fácil nem uma tarefa individual.

Conselho da Cidade Educadora de Soledade

SITE NEIPIES: Quais os critérios para definir se determinada ação ou projeto realizado pela Secretaria de Educação esteja associado e vinculado ao Projeto de Cidade Educadora?

Ádria Brum de Azambuja: A questão principal está relacionada a como esses projetos irão promover o desenvolvimento humano e social conferindo centralidade à educação como elemento norteador das ações e políticas de todas as áreas.

SITE NEIPIES: Como a administração municipal vem fazendo a discussão e implementação do Projeto Cidade Educadora envolvendo diferentes setores da administração e grupos sociais com representação na cidade?

Ádria Brum de Azambuja: Ainda em 2013 quando os ideais de uma gestão mais democrática foram assumidos pela administração municipal, teve início em Soledade uma nova configuração de cidade.

Uma das decisões da gestão, no ano de 2016, foi a aprovação da Lei Nº 3.812 de 03 de agosto, que dispões sobre a Gestão Democrática do Ensino Público Municipal, que expandiu o caminho à participação da comunidade escolar as decisões da escola.

Na busca por uma educação pública e de qualidade a gestão priorizou pela formação continuada dos trabalhadores da educação municipal, é necessário salientar que, esta ação foi o que tornou possível a ascensão de Soledade ao rol de cidades educadoras.

Neste sentido, os profissionais de educação tiveram a oportunidade de ampliar suas reflexões, dialogando a partir das contradições dialéticas do cotidiano escolar, sendo possível ampliar o olhar para outros segmentos da comunidade, iniciando assim  um  movimento  que  teve  como  princípio  os  ideais de justiça social e em trabalhar a cidade enquanto um espaço educador, valorizando o aprendizado vivencial e priorizando a formação de valores. 

Nesse movimento, foram realizadas inúmeras práticas educativas e culturais difundidas e efetivadas em diferentes espaços, contribuindo para que, os ideais de cidade educadora fossem se corporificando e disseminando. 

Desde o início  do processo  contou-se  sempre  com  o  apoio da  Universidade  de  Passo Fundo – UPF, com a assessoria do Centro Regional de Educação – CRE, que estendeu a sua interlocução que já acontecia com a Secretaria Municipal de Educação e com os profissionais de educação, para os gestores municipais através da participação em eventos promovidos pelo Programa de extensão “UniverCidade  Educadora”,  que  abordaram  a  temática de Cidades Educadoras e Inteligentes e com reuniões na prefeitura municipal com o  objetivo de propiciar  o  desenvolvimento do município de Soledade.

A partir de janeiro de 2020, Soledade conta com a assessoria da professora Doutora Eliara Zavieruka Levinski. Essa assessoria envolve todos os gestores municipais, que reúnem-se mensalmente para reflexão e planejamento de práticas intersetoriais.

A partir do estudo processual envolvendo os gestores municipais, estamos constituindo uma gestão intersetorial com o objetivo de compreender e gestar Soledade em visão integrada das potencialidades, problemas e de suas soluções.

Ancorados no programa denominado “Viver bem, Viver em Soledade” efetivamos ações associadas a quatro projetos: Das decisões às ações, Viva a Cidade, Desenvolvimento integrado do campo, Soledade com o protagonismo dos jovens e das crianças. A organização das linhas de trabalho tendo como premissa a melhoria da qualidade de vida, com base no Plano de Governo, nos Princípios da carta de Cidade Educadora e na escuta dos sujeitos, possibilita uma postura interrogativa a respeito do projeto de cidade que queremos construir. Ao que vamos dizer sim e ao que vamos dizer não para garantir, coletivamente, o bem viver?

A gestão de uma cidade educadora deve, especialmente, corresponder aos verdadeiros interesses de seus cidadãos  para  que  isso  ocorra, é imprescindível que os  processos  de gestão sejam  articulados  de  maneira  participativa, o  que só  faz  sentido  quando  esta  participação  ultrapassa os limites do monitoramento,  da avaliação, da  concordância ou da discordância, com meros “sim ou não” e é concretizada na justificativa consciente destes sujeitos.

SITE NEIPIES: Que metodologias participativas e que ações são utilizadas pela administração com vistas ao diálogo, ao reconhecimento dos sujeitos e ao protagonismo cidadão dos sujeitos e dos atores sociais?

Ádria Brum de AzambujaEm Soledade, inúmeras práticas são efetivadas no cotidiano das relações entre os gestores municipais e seus cidadãos, comprometidos em estender e legitimar por meio da mediação e do diálogo a participação e todos no processo de formação das decisões políticas.  Para isso, somam-se aos Conselhos, às ouvidorias, às consultas  públicas, às  pesquisas de  opinião, mecanismos tradicionalmente  já  utilizados  no  fortalecimento da gestão participativa, outros, como; o Projeto Prefeitura  no  Bairro/Prefeitura no  Interior, Café com a Prefeita, Rodas de Conversas. São projetos com ênfase na escuta ativa das demandas emergentes das necessidades das comunidades, sem intermediários, estabelecendo um diálogo  franco entre os gestores municipais e seus cidadãos.

Prefeita de Soledade em atividades participativas com a população.

Para os sujeitos do processo participativo, romper com o silenciamento e anunciar a sua palavra, significa emancipar-se.

A gestão municipal ao criar condições de efetiva participação, estabelece um clima favorável a fala e a escuta, construindo  uma relação de  cumplicidade e pertencimento  fundamental para o protagonismo dos sujeitos alicerçado na responsabilidade   em   dinamizar o que foi decidido.

A palavra diálogo significa falar de lugares diferentes, endereço de contradições, respeito e humildade. Não é um bate – papo, nem ocorre no espontaneísmo.

Outras práticas participativas foram gestadas e experienciadas nas escolas municipais de Soledade como a aprovação da Lei Nº 3.812, pensada e intencionada sob a interlocução e mediação da UPF, através da reflexão e na formação ativa dos profissionais do Sistema Municipal de Ensino. Estas práticas ultrapassaram os limites da formalidade, fomentando processos não só pedagógicos e culturais ancorados na construção do conhecimento e expandidos nas relações sociais mais amplas, mas com foco nos saberes comunitários, no território do vir a ser com e na cidade. Esta prática pode ser vivenciada fortemente na Feira do Livro de Soledade que acontece anualmente, no largo da matriz, instaurada  na  apropriação  das  diversas linguagens. É campo efervescente de conhecimento e de troca entre os diferentes sujeitos, arraigados não só dos saberes científicos, mas também de saberes construído na práxis cotidiana dos indivíduos.

SITE NEIPIES: Qual é a importância das perguntas: O que temos? O que queremos? O que precisamos? Para a definição e encaminhamento das demandas da comunidade?

Ádria Brum de Azambuja: Quando refletimos sobre essas questões, somos indiretamente conduzidos a reconhecer nossas potencialidades, para a partir daí admitirmos que nem sempre o que queremos é o que realmente precisamos. Reafirma o pertencimento e o reconhecimento dos sujeitos do território e descortina suas relações com o local onde vivem.

SITE NEIPIES: Na sua percepção, como os habitantes da cidade já reconhecem e vivem sob a regência das pedagogias dialógicas e humanizadoras?

Ádria Brum de Azambuja: Quando a gestão municipal cria condições de efetiva participação, e estabelece um clima favorável de fala e de escuta, constrói uma  relação  de  cumplicidade  e pertencimento. Nesse sentido, os cidadãos são envolvidos de tal forma nesse processo participativo que rompem com o silenciamento ao anunciar a sua palavra, enquanto protagonistas das decisões com e para a cidade. Reconhecemos nesse movimento formativo do próprio processo que o mesmo ainda é embrionário e que preferimos ações consistentes, densa e com tendências de longevidade.

Pelo diálogo e participação os sujeitos desenham um projeto coletivo de cidade que vem se reconhecendo educadora, porque ao educar se, educa!

SITE NEIPIES: Uma mensagem final aos que acreditam nos ideais das Cidades Educadoras.

Ádria Brum de Azambuja: As experiências locais mostram o quanto é possível experienciar os processos democráticos e participativos mesmo diante de cenários nacionais e internacionais que negam e confundem o sentido dos processos democráticos. Estamos aprendendo o quanto é possível viver princípios éticos e morais alicerçados no diálogo e na participação dos sujeitos. Os desafios são grandes e as possibilidades também.

Dirigentes do CMP Sindicato de Passo Fundo visitaram a Secretária Ádria Brum de Azambuja durante o mês de junho 2022. Além de conhecer a experiência da Cidade Educadora Soledade, convidaram a Secretária para relatar a experiência desta cidade no VII Congresso Municipal dos Professores e Professoras, que ocorrerá no dia 23/08/2022.

Fotos: Divulgação/Arquivo pessoal

Edição: Alexsandro Rosset

DEIXE UMA RESPOSTA