A fixação do bebê Reborn

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Estamos normalizando o inumano do comportamento. Procura-se uma boneca para dar banho porque não retruca, para alimentar porque não reclama, para cuidar porque não chora. Sua condição estática traz um total controle. É uma adoração segura que nunca será amor.

Brincar de boneca é saudável para as crianças, mas sinaliza obsessão nos adultos.

Não é exagero: trava-se na Justiça a disputa de um casal pela guarda de um bebê reborn, modelo hiper-realista de um recém-nascido, criado artesanalmente para se assemelhar o máximo possível, mantendo detalhes como cheiro, peso, textura da pele, veias, manchas, e cabelo implantado fio a fio.

A sofisticação da réplica permite incluir respiração leve, sons e batimentos cardíacos. Custa até R$ 10 mil reais, dependendo do grau de personalização.

Pode parecer loucura, mas o caso é real e vem acontecendo em Aparecida de Goiânia (GO). Uma advogada compartilhou as informações: divorciados brigam para ficar com o brinquedo.

Logo mais os bebês artificiais ocuparão os balanços das praças, sendo levados para creches, com pagamento de mensalidades, e para exames em hospitais, com a invenção de doenças.

Estamos normalizando o inumano do comportamento. Procura-se uma boneca para dar banho porque não retruca, para alimentar porque não reclama, para cuidar porque não chora.

Sua condição estática traz um total controle. É uma adoração segura que nunca será amor.

Porque o amor exige adaptação, construção recíproca de intimidade, lições de convivência.

O hábito sequer deveria servir para combater o luto, pois o luto não tem substituição: é zelar pela ausência, de modo nenhum imitar uma presença. Não se cura o sofrimento com cópias.

Ainda que os dois a quatro quilos sejam os mesmos, você não estará dando colo a uma vida, e sim a um mero enchimento de vidro moído ou silicone.

Colecionar nunca será educar.

Enquanto isso, no Brasil, cerca de 5 mil crianças e adolescentes estão aptos para adoção.

Só que eles não são acolhidos pelos preconceitos (nossos maiores defeitos de fabricação) dos 35 mil pretendentes, que não desejam maiores de 7 anos, grupos familiares ou crianças com algum tipo de deficiência.

No fundo, anseiam por um equivalente do bebê reborn: até 4 anos, sem irmãos, sem história, vazio de esperança e que jamais cresça.

Muitos mimam bonecos como se fossem filhos, e recusam filhos justamente por não serem bonecos.

FONTE: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/carpinejar/noticia/2025/05/a-fixacao-do-bebe-reborn-cmapp2ih5005r01izvqy2zwtg.html

Autor: Fabrício Carpinejar. Escreveu e publicou no site crônica “Professor”: www.neipies.com/professor/

Edição: A. R.

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