Fazer pontes e eliminar muros para enfrentamento de intolerância religiosa e racismo no Brasil

Repercutimos, nesta matéria, importante entrevista de Célia Gonçalves de Souza (Makota Celinha) do estado de MG (Minas Gerais) sobre a sua experiência religiosa e a forma como gosta de fazer pontes para o enfrentamento da intolerância religiosa no Brasil e no mundo.

Proposta de atividade pedagógica:

Esta entrevista (cujo link está abaixo) pode ser vista por estudantes dos anos finais do ensino fundamental como um ponto de partida de aprofundamentos de conhecimentos das tradições de matriz africana.

Depois de assistir a entrevista, os estudantes e o professor ou professora podem debater questões que julgam relevante nesta entrevista. Após, o professor ou professora de Ensino Religioso pode propor pesquisas de aprofundamento sobre intolerância religiosa e racismo no Brasil.

Objetivos do Ensino Religioso na BNCC:

*Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos;

*Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos humanos;

*Desenvolver competências e habilidades que contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a Constituição Federal;

*Contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania.

Habilidades sugeridas:

(EF07ER01PF01) Valorizar os espaços sagrados e crenças religiosas.

(EF07ER02RS-03) Destacar as formas de cuidado consigo e com o outro, descritos pelas Tradições Religiosas, considerando o bem-estar social, mental e espiritual.

(EF08ER03RS-03) Conhecer e descrever em que se constitui o sincretismo religioso e as formas de manifestações nas Tradições Religiosas.

(EF08ER03RS-04) Observar e comparar como elementos de uma Tradição Religiosa são ressignificados em outra, através do Sincretismo. (Ex.: Nossa Senhora dos Navegantes e Iemanjá)

(EF08ER06RS-02) Articular práticas que reconheçam a diversidade cultural e religiosa na promoção dos Direitos Humanos.

(EF09ER06RS-01) Apropriar-se dos valores éticos, morais e religiosos universais, como subsídios importantes para o crescimento pessoal e social de cada indivíduo.

Resenha do vídeo:
Célia Gonçalves de Souza, a Makota Celinha, costuma se dizer uma pessoa “louca de esperança”. Fundadora do Centro de Africanidades e Resistência Afro-Brasileiro (Cenarab) e militante do Movimento Negro Unificado, ela já fez de tudo na vida: foi empregada doméstica, professora do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), catequista, jornalista policial, servidora pública, além de se engajar em inúmeros projetos de forma voluntária.

Mas são as lutas contra a intolerância religiosa e o racismo que marcam definitivamente sua trajetória, contada no Memória & Poder.

LINK DO VÍDEO: https://youtu.be/ExAyZD5YvTI?t=2904

Makota Celinha participou do X Colóquio Nacional de Direitos Humanos de Passo Fundo no mês de maio de 2025. A conferência de abertura foi conduzida por Makota Celinha, liderança das religiões de matriz africana e diretora do CENARAB (MG), que abordou o tema “O direito ao amor e o direito de amar”.

Edição: A.R. 

Reflexão crítica sobre a institucionalização “Dia dos Legendários” em Passo Fundo/RS

Não seria mais prudente que o Legislativo dedicasse seu tempo e legitimidade parlamentar ao enfrentamento real desses desafios coletivos? Que debates como a oficialização de movimentos religiosos, por mais bem-intencionados que sejam, não tomem o lugar de projetos voltados à habitação, à justiça social, à inclusão dos excluídos!

A recente aprovação pela Câmara de Vereadores de Passo Fundo do “Dia e Semana dos Legendários” como data oficial do calendário municipal desperta uma importante reflexão sobre prioridades legislativas, responsabilidades públicas e os desafios sociais urgentes que atravessam nosso tempo.

Não se trata de desconsiderar o valor subjetivo que o movimento Legendários pode representar para seus participantes — especialmente homens que, muitas vezes, sofrem em silêncio com angústias, frustrações e crises de identidade em uma sociedade adoecida por padrões tóxicos de masculinidade. A proposta de reconectar-se com a natureza e com a espiritualidade pode, sim, oferecer caminhos de autoconhecimento e cura pessoal. Contudo, é necessário um olhar crítico quando tais movimentos são alçados à condição de política pública, sobretudo em uma cidade onde a realidade social grita por atenção concreta e imediata.

Leia matéria e assista vídeo sobre o movimento aqui: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/05/21/camara-de-vereadores-de-passo-fundo-aprova-criacao-e-inclusao-do-dia-municipal-dos-legendarios-em-calendario-oficial.ghtml

Enquanto se debate montanhas, há gente morando sob viadutos.

O aumento exponencial da população em situação de rua em Passo Fundo não é segredo para ninguém. Basta caminhar pelas ruas centrais para ver famílias improvisando abrigo em calçadas, homens e mulheres dependentes de álcool e outras drogas pedindo ajuda, jovens sem horizonte dormindo para cá e pra lá. Muitas dessas pessoas já passaram por “experiências transformadoras” — só que traumáticas: abandono, exclusão escolar, prisões, fome, violências diversas. Essas histórias reais, dolorosas e urgentes, não aparecem nas pautas das sessões legislativas com o mesmo entusiasmo.

A falta de moradia digna, o déficit de políticas públicas habitacionais, a precariedade dos atendimentos em saúde mental, CRAS e CREAS, a desassistência às famílias vulneráveis, o subfinanciamento da educação básica, a ausência de diálogo com comunidades periféricas, tudo isso parece ser tratado com desinteresse ou, no mínimo, com uma escassez alarmante de proposições efetivas.

Não seria mais prudente que o Legislativo dedicasse seu tempo e sua legitimidade parlamentar ao enfrentamento real desses desafios coletivos? Que debates como a oficialização de movimentos religiosos, por mais bem-intencionados que sejam, não tomem o lugar de projetos voltados à habitação, à justiça social, à inclusão dos excluídos!

A política não deve ser lugar de promoção de um nicho, mas sim espaço de inclusão de todos.

Autora: Vera Dalzotto. Também escreveu e publicou no site “O sentido da vida é fazer sentido a outas vidas”: www.neipies.com/o-sentido-da-vida-e-fazer-sentido-a-outras-vidas/

Edição: A. R.

O papel do Papa… e o nosso papa de papel!

O mundo escuta quando o Papa fala. E nós deveríamos escutar também.

Entre evangélicos e protestantes, a eleição de um novo Papa costuma passar batido. Afinal, ele não é nossa autoridade. Mas ignorar sua influência é ignorar a realidade: o Papa não fala apenas à Igreja Católica — ele fala ao mundo.

Sua figura transcende dogmas. Ele pode abrir portas ao diálogo ou trancar janelas de esperança. Pode erguer pontes entre religiões, acolher os marginalizados, defender migrantes, refugiados, a criação inteira. O mundo escuta quando o Papa fala. E nós deveríamos escutar também.

Curiosamente, muitos que criticam o dogma da infalibilidade papal adotam uma postura semelhante diante da Bíblia. Criamos, sem perceber, nosso próprio “papa de papel”.

Não se trata de desvalorizar as Escrituras — longe disso. Mas é bom lembrar: se hoje temos acesso à Bíblia, é graças, em boa parte, à estrutura da Igreja Católica. Foram monges, bibliotecas e séculos de zelo que preservaram esse tesouro.

Sem os evangelhos, não conheceríamos Jesus. E sem aqueles que os guardaram, talvez não tivéssemos os evangelhos. Temos diferenças, sim — mas também temos uma dívida histórica.

Por isso, mesmo sem estar sob seu cajado, deveríamos acompanhar com atenção e respeito o governo do novo pontífice.

Bem-vindo, Papa Leão XIV — o primeiro papa estadunidense.

Que sua voz se oponha às trevas que há tempos tomaram seu país natal — e que não se torne mais uma peça no tabuleiro do poder.

O cardeal agostiniano Robert Prevost, 69 anos, é visto como progressista por alguns, moderado por outros. Viveu entre os pobres no Peru. E ao escolher o nome Leão, homenageou Leão XIII — o papa que deu início à doutrina social da Igreja, clamando por justiça para os trabalhadores.

Que Leão XIV esteja à altura do nome. Que ele caminhe com firmeza, fale com coragem e abrace com misericórdia. Porque, gostemos ou não, o mundo escuta quando o Papa fala.

O mundo inteiro está observando. O futuro assiste apreensivo e esperançoso! Deus abençoe o Papa!

Autor: Hermes C. Fernandes. Também escreveu e publicou no site outras 47 reflexões, dentre as quais: “Aos pais cujos filhos deixaram a igreja”: www.neipies.com/aos-pais-cujos-filhos-deixaram-a-igreja/

Edição: A. R.

A fixação do bebê Reborn

Estamos normalizando o inumano do comportamento. Procura-se uma boneca para dar banho porque não retruca, para alimentar porque não reclama, para cuidar porque não chora. Sua condição estática traz um total controle. É uma adoração segura que nunca será amor.

Brincar de boneca é saudável para as crianças, mas sinaliza obsessão nos adultos.

Não é exagero: trava-se na Justiça a disputa de um casal pela guarda de um bebê reborn, modelo hiper-realista de um recém-nascido, criado artesanalmente para se assemelhar o máximo possível, mantendo detalhes como cheiro, peso, textura da pele, veias, manchas, e cabelo implantado fio a fio.

A sofisticação da réplica permite incluir respiração leve, sons e batimentos cardíacos. Custa até R$ 10 mil reais, dependendo do grau de personalização.

Pode parecer loucura, mas o caso é real e vem acontecendo em Aparecida de Goiânia (GO). Uma advogada compartilhou as informações: divorciados brigam para ficar com o brinquedo.

Logo mais os bebês artificiais ocuparão os balanços das praças, sendo levados para creches, com pagamento de mensalidades, e para exames em hospitais, com a invenção de doenças.

Estamos normalizando o inumano do comportamento. Procura-se uma boneca para dar banho porque não retruca, para alimentar porque não reclama, para cuidar porque não chora.

Sua condição estática traz um total controle. É uma adoração segura que nunca será amor.

Porque o amor exige adaptação, construção recíproca de intimidade, lições de convivência.

O hábito sequer deveria servir para combater o luto, pois o luto não tem substituição: é zelar pela ausência, de modo nenhum imitar uma presença. Não se cura o sofrimento com cópias.

Ainda que os dois a quatro quilos sejam os mesmos, você não estará dando colo a uma vida, e sim a um mero enchimento de vidro moído ou silicone.

Colecionar nunca será educar.

Enquanto isso, no Brasil, cerca de 5 mil crianças e adolescentes estão aptos para adoção.

Só que eles não são acolhidos pelos preconceitos (nossos maiores defeitos de fabricação) dos 35 mil pretendentes, que não desejam maiores de 7 anos, grupos familiares ou crianças com algum tipo de deficiência.

No fundo, anseiam por um equivalente do bebê reborn: até 4 anos, sem irmãos, sem história, vazio de esperança e que jamais cresça.

Muitos mimam bonecos como se fossem filhos, e recusam filhos justamente por não serem bonecos.

FONTE: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/carpinejar/noticia/2025/05/a-fixacao-do-bebe-reborn-cmapp2ih5005r01izvqy2zwtg.html

Autor: Fabrício Carpinejar. Escreveu e publicou no site crônica “Professor”: www.neipies.com/professor/

Edição: A. R.

Enchente no RS: um ano depois

Precisamos estar melhor preparados, quando eventos extremos dessa natureza voltarem acontecer. Tudo indica que os extremos climáticos, de natureza hidrológica, tendem a ficar mais intensos e mais frequentes no Sul do Brasil.

Há um ano, quem vive no Rio Grande do Sul, ficou sabendo, na prática, que o homem, tanto pode afetar o clima do planeta Terra, como, pelo clima, pode ser, drasticamente, afetado. Não foi outra coisa a experiência, dolorosa, vivenciada por muitos gaúchos, no final de abril e começo de maio (perdurando os efeitos ao longo desse mês) de 2024, quando chuvas intensas, sem precedentes, desde que se têm registros meteorológicos sistemáticos na região, deram causa, se não, até então, ao maior, a um dos mais devastadores eventos hidrológicos extremos registrados no Brasil.

Um rastro de destruição, quem viveu lembra, foi o legado deixado pela enchente de 2024 no Rio Grande do Sul. Cicatrizes ainda podem ser vistas na paisagem natural (cerca de 15 mil movimentos de massa nas encostas diagnosticados) e em infraestruturas não totalmente reparadas. Foram 250 trechos de rodovias e 140 pontes danificadas (alguns ainda por restaurar) e diversas residências destruídas. Aeroporto Salgado Filho fechado.

A Capital do Estado, Porto Alegre, sitiada. E, a pior conta, 183 mortes confirmadas, 27 desaparecidos, 806 feridos e 15 mil casos de leptospirose. Em meio a prejuízos vultosos contabilizados na agricultura e nos setores industrial, de comércio e de serviços.

Para marcar o aniversário de um ano da trágica efeméride do clima, não faltaram eventos, nesse começo de outono de 2025, para discutir o assunto, em momento que, no Rio Grande do Sul, diferente de 2024, quando a maioria dos municípios gaúchos havia decretado situação de emergência ou estado de calamidade pública, por causa de enchentes, neste ano, a situação é inversa, com 319 municípios (dos 497, em 7 de maio de 2025) já tendo noticiado situação de emergência, desta feita, por estiagem.

A Embrapa Uva e Vinho, junto com instituições parceiras, produziu uma publicação de suma importância para a Serra Gaúcha, drasticamente afetada por deslizamentos de encostas em 2024, que, a partir de minucioso diagnóstico, permitiu a proposição de estratégias para mitigar riscos de chuvas extremas na região.

Está disponível para download gratuito em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1175257?locale=pt_BR

O projeto “RS: Resiliência & Sustentabilidade”, promovido pela então Secretaria para Apoio à Reconstrução do RS (SERS), do governo federal, em cooperação com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), cujo encerramento deu-se no dia 14 de março de 2025, em Porto Alegre, no Salão de Atos da UFRG, com conferência magna e lançamento do livro “RS: Resiliência & Sustentabilidade – reflexões para a reconstrução do Rio Grande do Sul”, também disponível para download gratuito em: https://portal.fespsp.org.br/store/file_source/FESPSP/Documentos/RS/reflexao.pdf.

Eu destacaria, a par de todos, cuja importância não se discute, o lançamento do estudo realizado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), no dia 30 de abril último, em evento transmitido ao vivo por meio do canal da ANA no YouTube (ainda disponível em https://www.youtube.com/live/3SAuNYYIKbM), sob o título “As Enchentes no Rio Grande do Sul – Lições, Desafios e Caminhos para um Futuro Resiliente”.

Eis um documento cuja leitura deveria ser obrigatória, para quem almeja entender o ocorrido no Estado e, acima de tudo, quer ou tem a responsabilidade de evitar que tragédias dessa natureza venham se repetir.

A publicação “As Enchentes no Rio Grande do Sul – Lições, Desafios e Caminhos para um Futuro Resiliente”, chancelada pela ANA, foi organizada pela passo-fundense Ana Paula Fioreze (filha dos queridos professores Zélia Guareschi Fioreze e Irineo Fioreze).

Muitos pontos, até então obscuros sobre a enchente de 2024, nela, restaram esclarecidos.

Não deixa margem para dúvidas que o aumento de desastres naturais associados a precipitações e cheias extremas deve ser incorporado à nova gestão de riscos climáticos, reconhecendo-se que a intensificação das chuvas e vazões extremas na Região Sul do Brasil pode ser, em parte, creditada à mudança do clima.

Que, em 2024, a área da Bacia Hidrográfica da Lagoa dos Patos foi a mais atingida, em vez da Bacia do Rio Uruguai. E, comparada com a enchente de 1941, a maior até então conhecida, seja em inundação, extensão e duração, a enchente de 2024 foi superior (2024 x 1941): 5,37 m x 4,75 m (nível máximo do Guaíba no Cais Mauá); 2 dias x 10 dias (número de dias para a subida das águas Guaíba inundar Porto Alegre); e 30 dias x 20 dias (duração das cheias na região metropolitana de Porto Alegre).

Resumindo, precisamos estar melhor preparados, quando eventos extremos dessa natureza voltarem acontecer. Tudo indica que os extremos climáticos, de natureza hidrológica, tendem a ficar mais intensos e mais frequentes no Sul do Brasil.

Autor: Gilberto Cunha. Também escreveu e publicou no site a crônica “Charlie Brown e Snoopy discutem o acordo de Paris”: www.neipies.com/charlie-brown-e-snoopy-discutem-o-acordo-de-paris/

Edição: A. R.

Egito: um mergulho no berço da civilização

Viajar ao Egito é como atravessar um portal no tempo rumo às origens da humanidade. Neste país milenar, onde floresceu uma das civilizações mais antigas do mundo, a escrita foi criada pelos escribas, há 5.000 anos, os quais registraram os feitos dos faraós e os mistérios da vida e da morte.

Viajar é mais do que se deslocar no espaço — é percorrer culturas, hábitos, idiomas e histórias. Durante 28 dias, exploramos quatro cidades da Europa e duas da África, intercalando momentos de lazer com quatro congressos científicos nos quais meu esposo foi palestrante. Cada destino trouxe descobertas únicas, mas foi no Egito que voltamos a nos surpreender com a capital Cairo e a cidade de Alexandria, sua antiga capital.

Já havíamos tido a oportunidade de visitar o Egito outras vezes e foi possível perceber a evolução desta que é quinta maior cidade do mundo e que, até 2006, ocasião da nossa primeira viagem até lá, não tinha nem sequer sinaleiras nas ruas. Hoje já conta com incríveis ruas elevadas que passam por cima de partes da cidade.

Viajar ao Egito é como atravessar um portal no tempo rumo às origens da humanidade. Neste país milenar, onde floresceu uma das civilizações mais antigas do mundo, a escrita foi criada pelos escribas, há 5.000 anos, os quais registraram os feitos dos faraós e os mistérios da vida e da morte.

Na primeira viagem até lá visitamos o lendário Vale dos Reis, em Luxor, e a impressionante necrópole de Saqqara, a primeira pirâmide construída, há 2.700 anos. Um século depois de Saqqara, construíram a grande pirâmide de Gizé, seguida da pirâmide de seu filho Queóps e a de seu neto Miquerinos. Juntas elas formam a única das Sete Maravilhas do Mundo Antigo que ainda resiste ao tempo, vigiadas pela famosa Esfinge.

Vale dos Reis – Luxor (2006)                            

Pirâmides de Queóps e Miquerinos (2025)

Pirâmide de Saqqara, a mais antiga. (2023).         

Grande Esfinge de Gizé (2025).

A capital egípcia impressiona por suas mesquitas majestosas, que refletem a fé dos mais de 90% de egípcios muçulmanos. No bairro conhecido como Old Cairo, mergulhei na espiritualidade cristã ao visitar a Igreja de São Sérgio e São Baco, onde se conta que a Sagrada Família encontrou refúgio durante sua fuga para o Egito. Ali perto, a Igreja de São Jorge, santo venerado pelos cristãos ortodoxos, no Cairo, e o movimentado bazar Al-Khalifa completam uma experiência de fé, história e cores locais.

Mesquita Muhammad Ali (2023).                          

Dentre os pontos altos do turismo no Egito está navegar nas águas do Rio Nilo. Seja em restaurantes flutuantes ou em pequenos navios de cruzeiro que sobem desde a cidade de Aswan, é possível apreciar a boa comida árabe e shows com danças típicas como a dança do ventre.   

Navio saindo de Aswan (2006)

Dançarina do ventre – Restaurante flutuante

A visita ao antigo Museu do Cairo é imprescindível. Ele guarda tesouros inestimáveis como cerca de 4.000 peças encontradas na tumba do faraó Tutancamon em 1922, mas é o recém-inaugurado Grande Museu Egípcio, nos arredores de Gizé, que está revolucionando a experiência dos visitantes. Ele começa impressionando pela arquitetura, pela organização e pela magnitude do acervo. Cada sala é uma viagem por dinastias, crenças e conquistas que moldaram a humanidade.

Escriba (2.500 a.C.) Museu do Cairo (2025).

Grande Museu Egípcio Escultura de Ramsés

Encerrando a jornada, a cidade de Alexandria revelou-se um capítulo à parte. Visitamos a moderna Bibliotheca Alexandrina, herdeira espiritual da lendária biblioteca da Antiguidade e visitamos o Forte de Qaitbay, construído sobre as ruínas do Farol de Alexandria. Outro impressionante passeio que fizemos na companhia de amigos egípcios foi ao opulente Palácio da Princesa Fatma Al-Zahra. Seu pai Rei Farouk I foi forçado a abdicar em 1952, após um golpe militar que transformou o Egito em uma República, acabando com a suntuosa monarquia.

Bibliotheca Alexandrina – 2 milhões de livros

Interior da biblioteca de 85.000m2

Palácio da Princesa Fatma Al-Zahra.      

Forte de Qaitbay

Por fim, conhecer o Egito significa muito mais do que visitar monumentos, significa sentir-se parte da história da humanidade. É, realmente, uma viagem que transforma, se vivenciarmos tudo isso com muita curiosidade e atenção plena.

Como viajantes do século XXI, contamos com a ajuda dos aplicativos GPT-4, Airbnb, Google Maps, Google Tradutor, Uber, Ventusky, Currency… Um arsenal digital que tornou a viagem entre o passado e o futuro mais fácil. Viajar é muito bom, mas voltar para casa, também. Agora é hora de usarmos as novas aprendizagens para ajudar o mundo a se tornar um lugar melhor.

Conforme afirmou o pensador egípcio Ptahhotep (vizir do faraó Djedkare, por volta de 2400 a.C.):

“A sabedoria é mais rara que uma pedra preciosa, e pode ser encontrada em todos os lugares.”

Podemos viajar por terra, mar, ar, livros, filmes e imaginação. De qualquer forma, sempre se aprende.

Autora: Marilise Brockstedt Lech.  Também escreveu e publicou no site “Onde mora a felicidade”:  www.neipies.com/onde-mora-a-felicidade/

Edição: A. R.

A trajetória de 15 anos do GEPES

Vida longa ao GEPES. Que continuemos neste espírito de acolhida aos novos que chegam para que possam somar e interagir com a experiência dos que já trilharam parte do caminho e continuam acreditando na força da pesquisa que se realiza coletivamente. Que venham mais 15 anos de estudos, pesquisas, discussões e escritas. Todas as coletâneas estão disponíveis online nos links abaixo de cada referência.

No escrito de hoje, quero homenagear todos os integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da Universidade de Passo Fundo (GEPES/UPF). O grupo é coordenado por mim e por Carina Tonieto, parceira de estudos e pesquisas de longa data. Conheço Carina desde 2000 quando foi minha aluna na graduação de Filosofia. Fui seu supervisor de estágio, orientei seu trabalho de monografia no final do curso, orientei a dissertação de mestrado, a tese de doutorado e supervisionei dois Estágios de Pós-doutorado no PPGEdu (um concluído em 2021 e outro concluído agora em 2025).

Desde o tempo da graduação Carina foi integrante do Núcleo de Educação para o Pensar: filosofia com crianças e jovens (NUEP), foi secretária e depois assessora do referido núcleo, participou de diversas publicações e foi uma das integrantes mais ativas do Nuep. Durante mais de 12 anos, o Nuep foi responsável em desenvolver um qualificado projeto de formação de professores, que se espalhou pelo Rio Grande do Sul em Escolas Particulares e Escolas Públicas. Diversas secretarias municipais de Educação da Região de Passo Fundo desenvolveram o projeto, algumas das quais incluíram filosofia no seu currículo.

Em 2010, quando Carina estava concluindo seu mestrado, decidimos criar o Gepes, inspirados e incentivados pela nossa amiga Malu (Maria de Lourdes de Almeida), que nos “abriu muitas portas” junto às editoras. O Grupo iniciou com poucos integrantes: alguns alunos da graduação, 2 ou três alunos do mestrado e alguns professores da Educação Básica. Na época nossas discussões giraram em torno da formação de professores e da epistemologia das políticas educacionais. Como resultado de um primeiro ano de estudo, publicamos pela Mercado de Letras o livro autoral Educar o educador: reflexões sobre formação docente (Fávero; Tonieto, 2010) publicado pela Mercado de Letras, com um prefácio de nossa amiga Malu.

 Registros de grupo do Gepes

No ano seguinte, com um grupo mais ampliado, estudamos as obras de John Dewey, de modo especial Democracia e Educação, Reconstruções em Filosofia e Experiência e Educação. Destes estudos resultou a segunda produção do Gepes intitulada Leituras sobre John Dewey e a educação (Fávero; Tonieto, 2011) publicado pela editora Mercado de Letras. Composta de 13 capítulos, a coletânea aborda diversos temas do filósofo educador norteamericano, dentre os quais destacam-se: o lugar do pensamento de John Dewey na historiografia da educação brasileira; as contribuições de Dewey para a educação; democracia e reflexão poética em John Dewey; a relação entre filosofia e pedagogia no pensamento; a democracia como credo pedagógico na filosofia de Dewey; a distinção entre pedagogia tradicional e pedagogia progressista; a relação entre interesse e esforço nos escrito deweyanos; a experiência filosófica na reconstrução de John Dewey; a experiência como superação do dualismo; a formação do professor reflexivo na concepção pragmatista deweyana; experiência formativa na educação em valores em John Dewey; dentre outros.

Em 2012 fiz um Pós-doutorado na Univesidad Autônoma del Estado do México (UEMéx) e fiquei fora do país de janeiro e julho. Nestes meses, Carina continuou com o Grupo, estudando Richard Rorty (autor que havia estudado para realizar minha tese de doutorado da UFRGS de 2003-2007). Do México organizei com a parceria de Edison Alencar Casagranda a terceira produção do Gepes intitulada Leituras sobre Hannah Arendt e a educação (Fávero; Casagranda, 2012) também publicado pela editora Mercado de Letras. Quando retornei do México continuamos com os estudos de Rorty e os resultados foram publicados na coletânea Leituras sobre Richard Rorty e a Educação (Fávero; Tonieto, 2013), também publicado em 2013.

Em 2014, o grupo do Gepes já estava bem ampliado, com a participação de diversos mestrandos, doutorandos, egressos de PPGEdu, alunos da graduação, meus bolsistas de iniciação científica, professores da educação básica, professores da educação superior, dentre outros. Duas temáticas marcaram o estudo deste ano: o processo de Bolonha e Docência Universitária. Da primeira temática resultou na publicação da coletânea O Espaço Europeu de Educação Superior (EEES) para além da Europa: apontamentos e discussões sobre o chamado Processo de Bolonha e suas influências (Almeida; Fávero; Catani), publicado pela editora CRV de Curitiba. E da segunda temática resultou a produção da coletânea Docência Universitária: pressupostos teóricos e perspectivas didáticas (Fávero; Tonieto; Ody, 2015).

Os avanços dos estudos no Gepes permitiu perceber que a docência universitária requer uma compreensão dos pressupostos epistemológicos que mobilizam as práticas, as compreensões da forma como se constitui a identidade docente, a maneira como se articulam as distintas formas de ensino e aprendizagem no Ensino Superior.

Destes estudos surgiu a coletânea Epistemologias da Docência Universitária (Fávero; Tonieto, 2016) composta de 12 capítulos onde são abordadas as seguintes temáticas: a dimensão crítico-dialética na formação docente na perspectiva freireana, o lugar da teoria na pesquisa sobre docência na Educação Superior, os aspectos do pensamento complexo que perpassa a autoeco-organização e autoeco-formação do docente universitário iniciante, a atitude vigilante do professor universitário para enfrentar os obstáculos epistemológicos do seu fazer docente, a constituição dos saberes da docência universitária, a epistemologia que perpassa o fazer docente no cenário da sociedade líquida baumaniana, a negação da pedagogia das aparências em prol de uma pedagogia científica na perspectiva bachelardiana, o falibilismo como fundamento epistemológico na formação de professores para o ensino de ciências naturais, os paradigmas necessários à construção da docência universitária no cenário atual, a relação entre racionalismo aplicado e os novos rumos da ciência contemporânea para compreender a docência universitária, a sensibilização docente na compreensão da epistemologia da prática na docência universitária.

A interdisciplinaridade foi tema de estudos do Gepes em 2017 e tornou-se uma temática imprescindível para enfrentar os desafios da docência universitária contemporânea. Destes estudos, surgiu a coletânea Interdisciplinaridade e Formação Docente (Fávero; Tonieto; Consaltér, 2018), composta de 15 capítulos onde são tratados as seguintes temáticas: entendimentos  e perspectivas da interdisciplinaridade na formação de professores, a interdisciplinaridade e o falibilismo na formação docente, os equívocos e as possibilidades da interdisciplinaridade na formação de professores, a resolução de problemas como prática interdisciplinar na educação, a perspectiva história e política da interdisciplinaridade pelo enfoque da educação, as interlocuções possíveis entre interdisciplinaridade e alteridade na educação numa perspectiva estética, a vivência teatral como experiência interdisciplinar formativa, a interdisciplinaridade como crítica à fragmentação do saber, o desafio da reflexividade interdisciplinar na educação escolar, o potencial freireano e interdisciplinar nos processos formativos, as exigências e consequências da complexidade presente na relação entre interdisciplinaridade e educação em direitos humanos, a interdisciplinaridade proposta para a educação física no Referencial curricular do Rio Grande do Sul, a interdisciplinaridade na formação de docentes na Educação infantil na perspectiva da psicanálise e a presença da interdisciplinaridade no campo teórico e no campo de intervenção das políticas educativas.

A relação entre políticas educacionais e formação de professores também foi pauta de estudos e discussões dos pesquisadores do Gepes na disciplina “Políticas de Formação de Professores”, na qual participaram mestrandos, doutorandos e alunos com matrícula especial no segundo semestre de 2018. Destes estudos e discussões resultou a publicação da coletânea Políticas de Formação de Professores (Fávero; Consaltér; Trevisol, 2019) composta de 14 capítulos onde são tratadas as seguintes temáticas: o desafio da prática pedagógica na formação docente de professores de cursos de bacharelado, a pós-graduação stricto sensu como espaço de formação docente no contexto da educação inclusiva, as diretrizes para a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica, análise comparada entre os planos estaduais de educação do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina sobre a formação de professores da educação básica, a formação docente e a construção da identidade do professor na educação infantil, a especificidade da formação continuada de professores no PROCAMPO, o lugar das humanidades na perspectiva estética da formação docente, a importância da teorias e das pesquisas na formação docente, um estado do conhecimento sobre a formação de professores para o uso de tecnologias, os sentidos atribuídos às tecnologias da informação e da comunicação por professores em formação, as compreensões teórico-metodológicas da interdisciplinaridade na gestão escolar na formação continuada de professores, um diálogo para além da especialidade na relação entre interdisciplinaridade e formação docente.

Ainda em 2018, o Gepes debruçou-se nos estudos de algumas das obras de Zigmunt Bauman, dentre elas Modernidade Líquida, Vida Líquida, Legisladores e Interpretes, Vida à Crédito, Vigilância Líquida, Amor Líquido dentre outras. Como resultado dos estudos foi publicada a coletânea Leituras sobre Zygmunt Bauman e a Educação (Fávero; Tonieto; Consaltér, 2019).

A coletânea é composta de 17 capítulos nos quais os autores discorrem sobre as seguintes temáticas: a tensão entre ambivalência e a ordem e a questão da solidariedade; ambivalência como paradigma em gestação no mundo líquido, análise de dois modelos formativos a partir das metáforas do peregrino e do turista; as ações e emoções no mundo líquido de Bauman, autoridade docente na modernidade líquida, os desafios do trabalho docente; as práticas pedagógicas e as relações humanas na sociedade líquida; a fragilidade dos laços humanos e a felicidade efêmera na sociedade de consumo; a educação entre Babel e a cegueira moral; os conceitos de indivíduo e de comunidade nas teorias de Norberto Elias e Bauman; a incorporação dos sinais da incerteza na perspectiva do medo líquido; as interações entre Bauman e Freire na relação entre educação e diálogo com as diferenças; educação e o paradoxo da identidade; a dimensão estética na formação do docente universitário no mundo líquido moderno; a síndrome consumista no ambiente escolar; a utilidade do inútil para a democracia social e política do mundo cibernético; e por fim, as ressonâncias do consumismo nos processos educativos na modernidade líquida.

Em 2019, os estudos do Gepes concentraram-se em aprofundar a relação entre Educação e Neoliberalismo. A partir da discussão e trabalho sistemático das obras A escola não é uma empresa de Christian Laval, A nova razão do Mundo de Pierre Dardot e Christian Laval, e da obra Em defesa da escola: uma questão pública de Jan Masschelein e Maarten Simons, o gepes produziu sua 10ª coletânea intitulada Leituras sobre Educação e o Neoliberalismo (Fávero; Tonieto; Consaltér, 2020).

Composta de 22 capítulos a coletânea aborda, dentre outras, as seguintes temáticas: a escola sob o gerencialismo empresarial; a educação como consumo; negócio versus formação nas políticas para a cidadania na Europa, as parcerias público-privadas e a drenagem dos recursos públicos para as fundações privadas no contexto da reforma do ensino médio; capital humano e neoliberalismo na educação; crítica a pedagogia das competências; a lógica perversa da profissionalização na ideologia empresarial que invade os processos formativos; a perda da identidade escolar decorrente do avanço do empresariamento da educação; a cultura humanista como antídoto ao empresariamento da educação; a responsabilização como mecanismo de mercantilização da educação superior; a colonização neoliberal da subjetividade e os riscos da formação humana; a presença da ideologia neoliberal no processo de transformação da educação em negócio; a publicidade infanto-juvenil nas estratégias de marketing nas escolas; possibilidades de resistência ao processo de mercantilização da educação; a lógica empresarial presente na narrativa “life long learnig” e a cilada do “educar por competências”; a defesa da escola como tempo livre no cenário global; quando modernizar se transforma em domar a escola nos trilhos da ideologia neoliberal; a “profissionalização” como tática de domar o professorado; os avanços e os entraves na formação democrática da escola pública brasileira; quando o neoliberalismo chega à escola por meio de discursos sedutores; quando a educação se torna um simples produto nas prateleiras do mercado.

Em março de 2020, depois do primeiro encontro presencial realizado na Faculdade de Educação da UPF, em função da Pandemia do Covid-19, o Gepes tomou a decisão de continuar os encontros online por meio do Google Meet. A temática escolhida para os estudos deste ano de Pandemia foram algumas obras da filósofa americana Martha Nussbaum, dentre as quais destacam-se: Sem fins lucrativos; El cultivo de la humanidad; Crear Capacidades, Educação e Justiça Social; Fronteiras da Justiça; Las mujeres y el desarollo humano, El ocultamiento del humanoI, dentre outras. Do estudo do ano resultou na publicação da 11ª coletânea do Gepes intitulada Leituras sobre Martha Nussbaum e a educação (Fávero; Tonieto; Consaltér; Centenaro, 2021).

Composta de 18 capítulos, a obra discorre sobre temas instigantes em torno desta potente pensadora contemporânea. Como é referido na apresentação da coletânea, um dos elementos centrais de sua obra é o papel que a educação possui para o fortalecimento da democracia, para o desenvolvimento humano, para a promoção das capacidades humanas e para a justiça social global.

O sucesso da publicação fez com que o Gepes organiza-se em parceria com o PPGEdu um curso de extensão onde boa parte dos textos da coletânea fossem lidos, apresentados e discutidos nos 12 encontros no segundo semestre de 2021. Todos os encontros estão disponíveis no canal do Youtube do Gepes:

https://www.youtube.com/results?search_query=gepes+upf+martha+nussbaum

Em 2021, o Gepes possuía mais de 40 participantes. O tema escolhido para ser investigado foi a Teoria da Atuação de Stephen Ball e sua recepção nas pesquisas em educação. Dentre os textos estudados e discutidos durante o ano destacam-se Como as escolas fazem as políticas; Educação Global S.A.; A nova filantropia, o capitalismo social e as redes globais em educação; Intelectuais ou técnicos? O papel imprescindível da teoria nos estudos educacionais; Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade, Sociologias das políticas educacionais e pesquisas crítico-social: uma revisão pessoal das políticas educacionais e das pesquisas em políticas educacionais; Profissionalismo, gerencialismo e performatividade, dentre outros. O intenso estudo e os calorosos debates resultaram na 12ª coletânea do Gepes, intitulada Leituras sobre a pesquisa em política educacional e a teoria da atuação (Fávero; Tonieto; Consaltér; Centenaro, 2022).

Conforme é referido na apresentação da coletânea, a relevância do estudo da teoria da atuação reside na sua fecundidade analítica como referencial teórico-metodológico para compreender como as escolas e seus sujeitos lidam, no cotidiano das instituições, com as diversas políticas educacionais que interferem e ditam o rumo e o ritmo do trabalho escolar.

Em 2022, o Gepes concentrou seus estudos e discussões nas perspectivas metodológicas da pesquisa em política educacional. Diversos autores e abordagens metodológicas foram teorizadas e sistematizadas nos 22 encontros realizados de forma online quinzenalmente nas sextas-feiras a tarde. Como resultado o Gepes produziu sua 13ª coletânea intitulada Pesquisa em Política Educacional: perspectivas metodológicas (Fávero; Tonieto; Bukowski; Centenaro, 2023). Conforme é dito na apresentação da obra, a pesquisa científica em educação, diante do desafio de produzir conhecimento de relevância acadêmica e social, atendendo aos critérios de validade e princípios éticos, requer clareza quanto às suas dimensões teórica e metodológica que a compõe.

Nos capítulos que compõe a obra, além de três capítulos iniciais que tratam do objeto de estudo da pesquisa educacional, do papel do referencial teórico e do lugar central do problema de pesquisa na relação entre a dúvida científica e a elaboração da pergunta, os demais 13 capítulos abordam as seguintes perspectivas metodológicas: abordagem qualitativa e quantitativa nas pesquisas em política educacional; possibilidades e limites da pesquisa básica e da pesquisa aplicada; a interação e o diálogo com o campo de estudo possibilitado pela pesquisa bibliográfica; o tratamento e a análise dos dados na pesquisa em política educacional; o papel do Estado da Arte nas pesquisas em políticas educacionais; a importância da pesquisa documental na compreensão das políticas educacionais; os usos da análise dos conteúdo nas pesquisas em políticas educacionais; a meta pesquisa como um sendo um campo de construção nos estudos de políticas educacionais; o compartilhamento de saberes na pesquisa-ação; a etnografia das redes como forma de análise das políticas educacionais no cenário global; o estudo de caso na compreensão dos contextos escolares; como se organiza grupos focais em ambientes virtuais; as potencialidades e riscos das entrevistas nas pesquisas em políticas educacionais, dentre outros.

Em 2023, o Gepes tomou a decisão de que mesmo depois da Pandemia, os encontros permaneceriam online tendo em vista que uma parte expressiva dos seus participantes viviam geograficamente distante de Passo Fundo o que tornaria impossível os encontros presenciais. Desde 2021 foram se integrando ao grupo pesquisadores do Mato Grosso, Brasília, Santa Catarina, Rio de Janeiro e diversas cidades do Rio Grande do Sul.

Em 2023, somaram-se diversos integrantes de Minas Gerais sob a liderança do professor Paco (UFMG), do Acre (sob a liderança da pesquisadora Adriana), bem como a presença de mestrandos e doutorandos da Unoesc (liderados pelos pesquisadores Márcio e Anderson). Não poderia deixar de mencionar egressos do PPGEdu que, embora estejam residindo longe de Passo Fundo, continuam participando dos encontros quinzenais e contribuindo com a produção das coletâneas. A temática de 2023, escolhida para estudo e discussão, foi as Políticas Educacionais e Neoliberalismo envolvendo 5 eixos de discussão: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Gestão; Ensino Médio; Educação Superior e Formação de Professores. Como resultado o Gepes publicou sua 14ª coletânea intitulada Políticas Educacionais e Neoliberalismo (Fávero; Tonieto; Bellenzier; Centenaro, 2024). Composta de 23 capítulos, tornou-se a obra mais volumosa e representa a fase de consolidação do Gepes. As investigações dos 23 capítulos concentram-se em analisar as reformas neoliberais na educação a fim de identificar os desdobramentos nos diferentes níveis da educação, principalmente na organização dos processos educativos.

Em 2024, o Gepes elegeu como temática de estudo, pesquisa, discussão e escrita “Currículo e Políticas Educacionais”. Nos 22 encontros foram lidos, apresentados e discutidos dezenas de textos sobre a temática que resultou na décima quinta (15ª) coletânea intitulada Currículo e Políticas Educacionais (Fávero; Tonieto; Bellenzier; Bukowski, 2025). Trata-se de uma coletânea comemorativa aos 15 anos do Gepes. Ressalto que hoje o Gepes conta com a participação de pesquisadores dos mais diversos estados do Brasil, dentre eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Acre. Além da UPF, os pesquisadores que participam do Gepes estão ligadas às seguintes Instituições de Ensino Superior: Unoesc, Unochapecó, Unisinos, UAEMéx, Cefet/RJ, UFAC, UFFS, UFMG, UFES, Furb/SC, IFRS/Campus Ibirubá, IFSC/Campus Xanxerê e UFRGS. Vale mencionar que essa articulação ocorre de forma efetiva por conta da possibilidade da realização das sessões de Estudo do Gepes que ocorrem em formato online.

O GEPES/UPF está atrelado a outros grupos e redes de pesquisa nacionais e internacionais, tais como o Grupo Internacional de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (GIEPES), ligado à Unicamp; Grupo de Pesquisa Ensino, Trabalho e Sociedade do IFRS; a Rede Latinoamericana de Estudos Teóricos e Epistemológicos em Política Educacional (RELEPE); a Rede Nacional de Pesquisas sobre Ensino Médio (EMpesquisa), ligada à Unicamp e à UFPR; ao Observatório do Ensino Médio do Rio Grande do Sul, ligado à UFRGS, ao convênio de cooperação entre PPGEdu/UPF e a Universidad Autónoma del Estado de México (UAEMéx). Do convênio de cooperação com a UAEMéx, ressalto a parceira com o Dr. Aristeo Santos López e a Dra. Marisa Fátima Roman que me acolheram na cidade de Toluca em 2012, quando fiz meu pós-doutorado e que desde lá continuam contribuindo anualmente com as coletâneas do Gepes com qualificados capítulos, bem como com outras ações de intercâmbio.

A cooperação tem continuidade no presente momento, com novas perspectivas de investigação. Minha gratidão eterna a eles.

Com Aristeo e Marisa do México

VIDA LONGA AO GEPES, e que continuemos neste espírito de acolhida aos novos que chegam para que possam somar e interagir com a experiência dos que já trilharam parte do caminho e continuam acreditando na força da pesquisa que se realiza coletivamente. Que venham mais 15 anos de estudos, pesquisas, discussões e escritas. Todas as coletâneas estão disponíveis online nos links abaixo de cada referência.

Para todos aqueles que fazem parte do Gepes ou já participaram do grupo, deixo aqui o desafio para ser manifestado por escrito nos comentários abaixo desta publicação:

O que significa ou significou o Gepes para você?

Referências:

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina. Educar o Educador: reflexões sobre formação docente. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2010. https://www.researchgate.net/publication/355339078_Educar_o_educador_-_reflexoes_sobre_a_formacao_docente

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina. Leituras sobre John Dewey e a educação. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2011. https://www.researchgate.net/publication/358368572_Leituras_sobre_John_Dewey_e_a_educacao_1

FÁVERO, Altair Alberto; CASAGRANDA, Edison Alencar (orgs.). Leituras sobre Hannah Arendt: educação, filosofia e política. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2012.https://www.researchgate.net/publication/358923482_Leituras_sobre_Hannah_Arendt_-_educacao_filosofia_e_politica_1

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina (orgs.). Leituras sobre Richard Rorty e a educação. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2013.

FÁVERO, Altair Alberto; ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto de. O Espaço Europeu de Educação Superior (EEES) para além da Europa: apontamentos e discussões sobre o chamado Processo de Bolonha e suas influências. Curitiba/PR: Editora CRV, 2014. https://www.researchgate.net/publication/359248799_O_espaco_Europeu_de_educacao_Superior_EEES_para_alem_da_Europa_-_apontamentos_e_discussoes_sobre_o_chamado_processo_de_Bolonha_e_suas_influencias

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; ODY, Leandro Carlos (orgs.). Docência Universitária: pressupostos teóricos e perspectivas didáticas. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2015. https://www.researchgate.net/publication/358538701_DOCENCIA_UNIVERSITARIA_Pressupostos_Teoricos_e_Perspectivas_Didaticas

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina (orgs.). Epistemologias da Docência Universitária. Curitiba/PR: Editora CRV, 2016. https://www.researchgate.net/publication/358740253_Epistemologias_da_docencia_universitaria

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro (orgs.). Interdisciplinaridade e formação docente. Curitiba/PR: Editora CRV, 2018. https://www.researchgate.net/publication/323408674_Interdisciplinaridade_e_formacao_docente

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro (orgs.). Leituras sobre Zygmunt Bauman e a educação. Curitiba/PR: Editora CRV, 2019.https://www.researchgate.net/publication/332317048_Leituras_sobre_Zygmunt_Bauman_e_a_educacao

FÁVERO, Altair Alberto; CONSALTÉR, Evandro; TREVISOL, Marcio Giusti (orgs.). Políticas de Formação de Professores. Curitiba/PR: Editora CRV, 2019. https://www.researchgate.net/publication/337038407_POLITICAS_DE_FORMACAO_DE_PROFESSORES

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro (orgs.). Leituras sobre Educação e Neoliberalismo. Curitiba/PR: Editora CRV, 2020. https://www.researchgate.net/publication/384017399_Leituras_sobre_Educacao_e_Neoliberalismo

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro; CENTENARO, Junior Bufon (orgs.). Leituras sobre Martha Nussbaum e a Educação. Curitiba/PR: Editora CRV, 2021. https://www.researchgate.net/publication/355037187_8_-_Interculturalidade_e_cidadania_universal_-_o_papel_imprescindivel_das_humanidades_na_perspeciva_de_Nussbaum

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro; CENTENARO, Junior Bufon (orgs.). Leituras sobre a Pesquisa em Política Educativa e a Teoria da Atuação. Chapecó/SC: Livrologia, 2022. https://www.researchgate.net/publication/359847694_Leituras_sobre_Pesquisa_em_POLITICA_EDUCACIONAL_e_a_TEORIA_DA_ATUACAO

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; BUKOWSKI, Chaiane; CENTENARO, Junior Bufon (orgs.). Pesquisa em Política Educacional: perspectivas metodológicas. Porto Alegre: Livrologia, 2023. https://www.researchgate.net/publication/371783861_PESQUISA_EM_POLITICA_EDUCACIONAL_perspectivas_metodologicas

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; BELLENZIER, Caroline Simon; CENTENARO, Junior Bufon (orgs.). Políticas Educacionais e Neoliberalismo. Porto Alegre: Livrologia, 2024. https://www.researchgate.net/publication/381806089_Politicas_educacionais_e_Neoliberalismo

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; BELLENZIER, Caroline Simon; BUKOWSKI, Chaiane (orgs.). Currículo & Políticas Educacionais. Passo Fundo: Editora UPF, 2025. https://www.researchgate.net/publication/391628516_Curriculo_Politicas_Educacionais

Autor: Altair Alberto Fáveroaltairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado em Educação da UPF. Também escreveu e publicou no site “Educar para humanizar e resistir a racionalidade neoliberal”:

www.neipies.com/educar-para-humanizar-e-resistir-a-racionalidade-neoliberal/

Edição: A. R.

O santo Mel de cada dia!

Filho meu, saboreia o mel, porque é saudável e o favo, porque é doce ao teu paladar.” (Provérbios 24:13)

Agora que as flores entregues às mães estão com menos brilho, algumas já sem vida, escrevo em homenagem as que não tiveram o que comemorar. Pois em suas dores ou ausências, algumas torceram para que o dia corresse rápido.

Qual o sabor que combina com quase todos os ingredientes de um café da manhã?  Você já pensou nisso?

Olhe para um café matinal sobre a mesa, completo. Praticamente todos os pães e frutas podem ser, pelo mel, harmonizados. Não há pessoa conhecida que possa dizer que não o aprecie. É o alimento universal mais unânime. Junto à mesa?  Mãe e mel.

Associado à doçura, ao conforto, à Terra Prometida e à prosperidade, o mel é bíblico e não era diferente em nada do que consumimos hoje; milhares de anos depois. A história da civilização está ligada ao consumo do mel e no trato com as abelhas; sua convivência, suas picadas, seus alertas…

O mel é mencionado na Bíblia 61 vezes. Não é por acaso que o seu sabor é disputado no mundo inteiro, em todos os tempos.

Mas a palavra Mãe, é citada 289 vezes. Igualmente, concorrida em todas as épocas!

Quanto ao mel, pode-se imaginar as dificuldades pelos quais passaram nossos ancestrais; no seu manejo e cuidado. Na medida em que a humanidade cresceu, foi alterando a forma como se extrai.  Mas a sua essência, sua fonte e sua destinação, praticamente é a mesma. Lembra-nos de alguém?

O mel nos remete à abundância, porque sobre uma mesa, há saúde sem medida para as famílias que o consomem. Lembra doçura, em rotinas abençoadas, energizadas a cada manhã onde se encontra um canto posto para a primeira refeição: o café fumegando, o pão fresquinho e um pote de mel ao seu lado. Sempre combinando suas cores com todas as nuances de pães, na primeira mesa do dia, à primeira hora da manhã. Ao final da refeição, a primeira recomendação:  – leve uma blusa!

Na Bíblia, mel é também promessa de libertação, e, claro, esperança.   Igualmente, é sobrevivência, pois é o que alimentava João Batista em sua jornada pelo Rio Jordão. Ali sabemos que o mel o nutria junto a petiscos de gafanhotos. (¹) E João recebia forças diárias para batizar a quem se aproximasse. É na delicadeza e na brandura de uma colmeia onde se encontra a maior reserva de forças; organização, luta, resiliência…

Que a gratidão por cada abelha operária, mãe talvez, que labuta sobre flores e espinhos todos os dias, acompanhe nossas lembranças em um reconhecimento eterno: feito mãe!

No domingo passado, em que se comemorou mais o seu dia, lembramos que em se tratando de Terra Prometida, onde mana leite e mel, (²) ter uma mãe que arrume a mesa, diariamente, é como ver essa promessa sendo cumprida. Pois nunca faltou gosto do mel no gesto materno: em cuidado, proteção e sabor, reafirmando as porções diárias de conforto e doçura.

Feito uma Mãe, tinha mesmo de ser uma rainha que mantivesse a ordem social de uma colmeia!

Felizes todos os dias das mães. Só para não esquecer.

(Aos amigos da AMBRA. Mel para todos os dias.  @ambrameloficial)

Referências:

  1. Mateus 3:4
  2. Êxodo 3:8

Tradução de João Ferreira de Almeida.

Autor: Nelceu A. Zanatta. Também escreveu e publicou no site “Temos certeza de que aceitamos imigrantes tanto quanto imigrantes”: www.neipies.com/temos-certeza-de-que-aceitamos-imigrantes-tanto-quanto-nativos/

Edição: A. R.

Músicas impróprias?!

Enquanto isso, os verdadeiros dramas da educação — escolas precárias, professores sobrecarregados, insegurança crescente — seguem ignorados. A tática é velha: transfere-se a responsabilidade para o professor, transforma-se o educador em culpado por um cenário que ele não criou.

Desde pequeno, cultivo uma admiração profunda pela música clássica. Com o tempo, meu universo musical se expandiu para o rock, a ópera, o jazz, o blues e a nossa MPB. Admito, sem rodeios, que não tenho apreço particular pelo funk ou pelo sertanejo — ainda que, neste último, reconheça méritos em algumas composições, não o suficiente para que integrem minha playlist habitual.

Estudei piano na juventude e cresci ouvindo meu irmão mais velho tocar violão em bandas. Participei de corais, aprendi os rudimentos da teoria musical e, confesso com certo embaraço, até me aventurei a compor algumas peças. Como sou formado em Filosofia, era natural que meu interesse se estendesse à história e à estética da música.

Não me considero músico, mas estudei o suficiente para construir uma opinião fundamentada sobre o tema. Soma-se a isso minha vivência como professor — o que me dá, imagino, algum respaldo, ao menos para refletir com responsabilidade sobre o assunto.

Foi, portanto, com surpresa e perplexidade que recebi a notícia da aprovação do projeto de lei nº 9/2025, pela Câmara de Vereadores de Passo Fundo. Com 13 votos favoráveis e 6 contrários, o texto propõe proibir a execução de músicas consideradas “impróprias” em escolas e eventos voltados a crianças e adolescentes.

À primeira vista, pode parecer uma medida sensata. Mas não se deixe enganar: trata-se de uma encenação, uma cortina de fumaça. Um número de ilusionismo político.

Ato I: O que é “impróprio”?

Não existem critérios objetivos para definir o que seria uma “música imprópria”. Não me refiro apenas ao funk com letras explícitas. Tomemos, por exemplo, Ajoelha e Chora, do grupo Tchê Garotos — uma canção amplamente conhecida, que romantiza a violência contra a mulher. Nunca vi campanhas ou projetos buscando afastá-la das crianças.

E quanto às obras que tratam de temas difíceis — como guerra, crime ou sofrimento — sem exaltá-los, mas com intenção artística ou crítica? Quem será o responsável por essa triagem? Quem assumirá o papel de juiz da arte? Estamos dispostos a flertar com a censura sob o pretexto de proteção?

Ato II: O problema não está na escola

Outro equívoco do projeto é sua desconexão com a realidade educacional. Nas salas de aula, já há um cuidado natural para que músicas com conteúdo ofensivo não sejam utilizadas. Os professores conhecem bem os limites pedagógicos e sabem filtrar o que entra ou não em seu ambiente de trabalho. Muitos, inclusive, já demonstram reservas em relação a determinados estilos.

Portanto, trata-se de uma medida redundante. Tenta-se legislar sobre algo que, na prática, já é evitado. E mais: parte-se da suposição equivocada de que a escola é a principal fonte de exposição a tais conteúdos. Na verdade, os alunos já chegam com seus gostos formados, consumindo música em casa, no celular, nas redes — muitas vezes com a anuência, ou ao menos a tolerância, dos próprios responsáveis.

Se dependesse de nós, professores, os estudantes seriam fãs de Bach, Beethoven ou Debussy. Mas não é assim que o mundo funciona — e legislar como se fosse apenas empobrece o debate.

Ato III: O custo da encenação

E quanto nos custa esse espetáculo? Cada vereador recebe um salário superior a R$ 13 mil mensais  – e não é para propor leis como essa: vagas, inócuas, de eficácia duvidosa. Mais uma vez, recursos públicos são consumidos para produzir fumaça.

Tudo isso em nome de uma suposta moralidade que mais parece marketing político. O projeto não resolve problemas reais — apenas finge combatê-los. É um gesto performático, não uma política pública. E, como aprendi ao longo dos anos, intenções bonitas podem ser o disfarce mais perigoso quando desviam o olhar do que realmente importa.

Enquanto isso, os verdadeiros dramas da educação — escolas precárias, professores sobrecarregados, insegurança crescente — seguem ignorados. A tática é velha: transfere-se a responsabilidade para o professor, transforma-se o educador em culpado por um cenário que ele não criou.

O jogo é claro: usam professores como bodes expiatórios enquanto soterram os problemas reais da educação (salários baixos, burocracia asfixiante, violência crescente). Resta a quem ainda tem vergonha na cara fazer como na música que ninguém ousa proibir: “ajoelha e chora”. Porque a verdadeira “música imprópria” é a que toca na política — e deveria envergonhar muito mais do que qualquer funk.

Autor: Aleixo da Rosa. Também escreveu e publicou no site “Professores não sabem nada”: www.neipies.com/professores-nao-sabem-nada/

Edição: A. R.

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