Imaginemos a tensão das pessoas encarregadas de distribuírem a comida, olhando para aqueles rostos famintos, ao colocarem na bacia ou panela a fração de alimento a ser repartida. É uma seleção pela sorte. Quem conseguir chegar mais perto com sua vasilha para amainar a fome, terá mais um dia de sobrevivência.
Tenho certeza de que qualquer pessoa, com o mínimo de juízo crítico e consciência ética, fique indiferente às cenas da Faixa de Gaza, mostradas e comentadas pelas redes de notícias.
Milhares de pessoas, em especial crianças, mulheres e idosos de mãos estendidas, portando uma vasilha, fazem um esforço na tentativa de receber algo da comida distribuída. Os braços que se alongam na direção do alimento, num gesto desesperado, próprio de quem tem fome, manifestam a plenitude da injustiça, porque os direitos foram sequestrados.
Imagino a tensão das pessoas encarregadas de distribuírem a comida, olhando para aqueles rostos famintos, ao colocarem na bacia ou panela a fração de alimento a ser repartida. É uma seleção pela sorte. Quem conseguir chegar mais perto com sua vasilha para amainar a fome, terá mais um dia de sobrevivência.
A fome é uma ausência ética. E esta ausência se manifesta na Faixa de Gaza. A horda de famintos só cresce como resultado da prepotência dos poderosos, que se aliam para produzir um novo holocausto. Esta prática genocida peculiar aos tiranos, donos do Capital, traduz-se numa sanha destruidora que nada preserva. O instrumental bélico dirige-se para atingir hospitais, templos, escolas, casas, sem a menor preocupação com a população civil. Tudo se tornou alvo dos exterminadores.
Foto: Eyad Baba/AFP
Que razões justificam o extermínio de um povo?
Em nome de que as lideranças tiranas decidem pelo massacre e matança? A morte de vidas inocentes pela fome, como se justifica, nos tempos atuais? Qual objetivo inspira os mandatários temperamentais nessa ausência de generosidade e justiça? Em nome de que deus, religião, seita, partido político baseiam-se para oferecer aos palestinos a fome e a morte?!
O que causa perplexidade é o fato de a liderança israelense focar na eliminação da população palestina, sendo que o povo judeu viveu essa trágica experiência de holocausto. Os judeus contaram com ajuda de outros povos e conseguiram ter um lugar para viver. Por que negam a outro povo um território, em que possam viver com paz e dignidade?
Todos têm o direito de um lugar para viver. Todo povo pode ter um território, que possa ser identificado como sua pátria, seu lugar civil, seu país, reconhecido com leis e proteções, de modo a viver sua cultura e sua soberania, sendo respeitado pelos outros povos. Tudo isso faz parte do processo civilizatório. O povo israelense conseguiu seu lugar. O povo palestino deve ter o seu lugar. Ninguém pode negar-lhe esse direito.
Os que tornaram Gaza um espetáculo de ruínas, onde as pessoas carregam seus pertences em trouxas e carroças, numa prática sequestradora de direitos, não podem ficar impunes diante dos tribunais internacionais.
As inteligências que se sentem soberanas para decidirem sobre a vida das pessoas precisam ser combatidas com rigor por essa covardia assassina. Esse cenário apocalíptico, revelador de um crime programado, precisa ser combatido por outras lideranças democráticas, que se sintam sensibilizadas pelo abuso do poder político e econômico e tenham coragem para enfrentar os desmandos dos que se sentem acima das leis e dos direitos conquistados pela civilização.
Autora: Cecilia Pires. Também escreveu e publicou no site “Sobre o ódio”: www.neipies.com/sobre-o-odio/
Edição: A. R.