As crianças precisam encontrar as suas próprias respostas

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Mais do que ter respostas prontas às crianças precisamos saber como lidar com as suas perguntas. Muitas vezes elas são tão difíceis de serem respondidas por nós que não sabemos nem como orientá-las a procurarem as suas próprias respostas.

No seu belo poema “Cantiga quase de roda” Thiago de Mello nos diz: “na roda do mundo /lá vai o menino. O mundo é tão grande /e os homens tão sós. / De pena, o menino
começa a cantar. / (Cantigas afastam as coisas escuras.)”.

Que as nossas crianças nunca se sintam sozinhas no mundo ou mesmo em si próprias, pois com a companhia dos pais e das pessoas que as amam se sentirão seguras para fazerem perguntas e descobrirem os caminhos das respostas através de um mundo imaginário povoado por elementos que lhes sejam conhecidos ou criados a partir da realidade experienciada.

Toda criança gosta de fazer perguntas, de saber das coisas ao seu redor e até mesmo de si.

As crianças são cheias de dúvidas porque os seus pequenos mundos são muitas vezes incompreensivos e povoados por elementos que elas ainda não conhecem, que foram colocados lá por nós, adultos, que temos a mania de darmos ordens a elas. Sim, parece que as crianças são submissas aos adultos. Têm que fazer tudo o que mandamos, nos obedecer, não questionar as nossas ordens e muito menos reclamar senão se torna chata e birrenta como vemos muitas pessoas grandes dizerem por aí. Criança que pergunta demais incomoda, assusta, espanta, perturba o adulto que não pode perder tempo com bobagens.

Deixamos as nossas crianças a mercê de estranhos nas redes sociais, aos cuidados de pessoas que contratamos para ficarem com elas enquanto trabalhamos ou entregues aos seus professores. Não dedicamos mais tempo para os nossos filhos porque estamos abarrotados de trabalho e precisamos cada vez mais trabalhar e trabalhar.

Já não temos mais tempo para um lazer com as nossas crianças, para escutarmos as suas conversas que são tão bonitas e encantadoras. Estamos apressados para tudo. Temos pressa para o amanhã e estamos sempre atrás de um novo amanhã. Corremos como se fôssemos animais em busca de uma presa que não pode ser perdida, o trabalho.

Como consequência dessa nossa pressa, não podemos perder tempo com as perguntas das nossas crianças e respondemos para elas qualquer coisa que vem às nossas cabeças. Não! Não façamos isso nunca mais!

Deixemos que as nossas crianças descubram as suas próprias respostas.

Façamos como Sócrates fazia com os seus jovens alunos nas praças públicas de Atenas na antiga Grécia, ou seja, deixemos que as crianças descubram novas questões em cima das que elas nos perguntarem. A descoberta de uma resposta por si mesma incentiva a criança na prática da investigação e do pensamento crítico e reflexivo.

Quando a criança descobre as suas próprias respostas ela amadurece no seu pensar, povoa o seu mundo com elementos que serão escolhidos a partir das suas experiências e sente-se à vontade para opinar e fazer escolhas, mesmo as mais difíceis.

A criança que aprende a buscar as suas próprias respostas está sempre pronta para conversar sobre as suas emoções e falar do que sente e do que precisa quando é interrogada ou quando lhe acontece algo do qual não gostou.

Não seja o pai ou a mãe sabe tudo. Espere a criança processar a sua pergunta, experienciar o momento da sua questão consigo mesma, fazer-se silêncio por fora enquanto por dentro uma outra grita e busca a sua própria resposta seja nos seus livros paradidáticos seja nos seus brinquedos ou com o coleguinha.

Você sabe o quanto é maravilhoso descobrir algo com os nossos próprios esforços. Assim também se sente a criança que descobre uma resposta para algo que lhe intrigava.

Mais do que ter respostas prontas às crianças precisamos saber como lidar com as suas perguntas. Muitas vezes elas são tão difíceis de serem respondidas por nós que não sabemos nem como orientá-las a procurarem as suas próprias respostas. Ficamos intrigados, aborrecidos e decepcionados conosco quando não sabemos ajudar as nossas crianças. Mas, isso é o importante no processo que envolve pais, professores, crianças e o mundo de possibilidades das questões que elas trazem dentro de si.

Conforme a psicanalista Elisabeth Roudinesco, a curiosidade deve ser abraçada pelos adultos, pois respondendo às perguntas das crianças, se cria uma relação de transparência e honestidade, e também se estimula a sede por conhecimento. Assista: https://youtu.be/7L2GYaEk83k?t=66

Quando não soubermos dizer as respostas, pelo menos abrirmos caminhos junto com a criança para que possamos descobrir a resposta através de um diálogo intrigante, curioso e lúdico. Que a criança possa descobrir a resposta junto conosco através do seu bem viver consigo e com o mundo ao seu redor brincando e fazendo o que gosta o que sempre virá a ser bom para ela e que possa decidir o que é ser bom para si.

A criança curiosa está sempre atenta a tudo ao seu redor.

Não é que ela esteja se envolvendo com assuntos de adultos, ou esteja crescendo rápido demais. Ela está na sua idade ideal. Tudo nela está em ordem. Ela só apresenta mais curiosidade diante das outras e isso também é normal. Essa criança é mais observadora, mais criteriosa nas suas decisões e escolhas, mais crítica e mais reflexiva quando se trata de tomadas de decisões que vão modificar o seu viver.

Muitos pais e professores pensam que as crianças são bobinhas e tolas. As crianças do mundo contemporâneo não se iludem mais com lobos maus ou branca de neve. Elas com poucos meses de idade estão assistindo televisão e descobrindo que podem gritar além de chorar. São crianças que logo vão começar a crescer e ir atrás de um mundo onde o consumo e as mídias estão cada vez mais sendo atrativos para elas. Os diversos jogos eletrônicos educativos disponíveis nos celulares despertam a criança para questões que antes deles não eram possíveis pensarmos.

Assista: 08 virtudes que você pode ensinar a seus filhos e filhas: https://youtu.be/U4Bf-n5hAXE?t=117

Vivemos uma era em que a tecnologia da informação é a terceira pessoa mais próxima da criança depois dos pais.

Não podemos deixar as nossas crianças sozinhas em lugar nenhum. Além de correrem o risco de se machucarem, ainda podem sofrer violências com estranhos. Precisamos ensinar as nossas crianças a darem respostas para esses estranhos que aparecem nas redes sociais, no caminho da escola ou como pessoas boazinhas, muitas vezes, no seio da própria família.

A criança deve sempre saber a verdade sobre as coisas.

Claro que numa linguagem de fácil acesso, mas nunca sem mentiras. Toda mentira quando é descoberta machuca e pode criar traumas. Ainda existem pais que contam para os seus filhos a história da cegonha e isso é uma mentira que acaba prejudicando a aprendizagem da criança.

Toda história pode ser contada a uma criança desde que se saiba contá-la. Não contaremos é claro histórias de violência ou de crimes bárbaros. Só se ela nos perguntar. Ainda assim trataremos da questão com cuidado e carinho. É no saber falar com a criança que ela descobre as suas próprias respostas. Não precisamos fazer com que parem de nos perguntar dizendo que estamos cansados. Um pouco de atenção é tão bom para quem precisa de uma orientação nossa. Lembre-se de que você também já foi criança e teve as suas questões.

Nenhuma pergunta é boba que não tenha resposta.

A criança muitas vezes que tem uma pergunta simples pode estar começando a amadurecer o seu pensamento, despertando para o mundo, aprendendo a lidar com as coisas ao seu redor. Ela precisa obter respostas que a ajude a crescer emocionalmente dando-lhe a possibilidade de desenvolver o seu lado cognitivo muito mais rapidamente.

No benquerer da criança cabe todo mundo que lhe acolhe e cuida dela. Se você é pai ou mãe e não oferece esse acolhimento ou cuidado pode estar dando a oportunidade de um estranho fazer isso por você. A resposta que o seu filho precisa não é um “porque é assim” ou “porque é o certo”.

Quando a criança faz uma pergunta, na verdade, ela quer entender como começar uma conversa com você e saber da sua opinião a respeito daquilo que ela não compreende o motivo de estar ali ou ser aquilo ali.

Para a criança criada com cuidado e amor o verbo “ser” ainda é mais presente do que o “ter”. Ela sabe mais do que ninguém que é amada, é feliz, é linda e é o que de mais belo existe para nós A ela não importa ter brinquedos caros, roupas de grife, morar em bairros de classe alta. Nas suas perguntas sempre o “ser” está presente muito mais do que o “ter”. Observe a sua criancinha e perceberá como ela se comporta diante destes dois verbos.

O ser deve vir antes de tudo na vida da criança para que cresça sempre pensando no autocuidado e no cuidado com o outro. Para que as suas respostas ao mundo e as pessoas ao seu redor sejam cuidadosas e tenham respeito pela opinião alheia. Que seja conhecida pelos seus feitos e pelos seus esforços. Sim, crianças também fazem coisas excepcionais.

As respostas das crianças surpreendem muitas vezes pais e professores demonstrando um amadurecimento muito maior do que o esperado para a sua pequena idade. Essas crianças precisam de mais atenção e cuidados pois nas suas respostas já percebemos que estão conectadas com o mundo e com as coisas que acontecem ao seu redor, assim tendem a se envolverem mais emocionalmente com os problemas dos adultos e a criarem para si dificuldades que não saberão como resolver.

Não é bom respondermos as perguntas das crianças nunca, assim sem darmos um tempo para pensarmos o que aquela ou essa pergunta quer mesmo nos dizer, sim porque por trás de toda pergunta existe um acontecimento, um desabrochar, uma esperança, uma curiosidade que não se cala, principalmente quando estamos cansados, aborrecidos ou com raiva de alguma coisa. Deixemos que elas descubram por si próprias, mesmo que a pergunta seja intrigante e necessite de uma resposta saiba como conduzir a sua busca de uma forma que a reflexão e a criticidade estejam sempre presentes.

Se você ama a sua criança, cuide dela com amor e atenção.

Respeite os seus momentos de querer ficar sozinha, ela também precisa muitas vezes de silêncios, pois neles ocorre o movimento do pensamento que está sempre a observar a realidade e a querer conhecer um pouco mais do que ocorre consigo.

Se a sua criança não é muito de fazer perguntas não ache isso estranho. Ela não é diferente das outras. Só está curtindo o seu momento de silêncio diante de você. Um dia, quando se sentir pronta para perguntar ela se aproximará de você e vai fazer com grande naturalidade a sua questão. Há crianças que preferem apenas observar e nada falam, nada comentam. Elas ficam quietas nos seus pequenos mundos preenchendo-os com as suas grandes experiências, uma vez que tudo se torna gigante no descobrir de coisas essenciais ao seu bom viver, para mais tarde nos apresentarem o que aprenderam dentro e fora da escola.

A criança que não pergunta não é menos inteligente do que a que vive a perguntar. Nem é boba. E nem por isso precisa de tratamento especial. Ela está curtindo a sua vida como qualquer outra: brincando, correndo, pulando e se divertindo. Não sentiu a necessidade ainda de fazer perguntas, mas chegará o dia de fazer. É só uma questão de tempo. O ser humano é movido pelas perguntas. Todos nós temos dúvidas.

Aprendamos a respeitar as perguntas das nossas crianças deixando-as que descubram as suas próprias respostas abrindo um caminho propício e acolhedor para isso. Não que as deixemos ao deus dará. Nunca. Mas, que elas possam se inquietar e se intrigar diante das bonitezas e feiuras do mundo ao seu redor. A alegria de descobrir uma resposta por si mesma vale a pena quando aparece o sorriso no rosto e o brilho no olhar de quem tem apenas a idade de brincar.

Fiquemos com a frase do nosso querido poeta do Pantanal brasileiro Manoel de Barros que nos diz “As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças.”

Que as crianças encontrem respostas para essas coisas sem nome e para aquelas com nomes também; o que importa é que possam pensar livremente como se estivessem brincando ou correndo por um parque sem preocupação se as respostas estão certas ou não, afinal o tempo tratará de as informar tão logo estejam preparadas para a realidade.

Autora: Rosangela Trajano

Edição: Alexsandro Rosset

10 COMENTÁRIOS

  1. Muito lindo o seu texto, Rosângela. Que você continue nos trazendo grandes reflexões iguais a essa. Deus te abençoe, filha.

  2. Realmente devemos respeitar as perguntas das crianças porque muitas vezes elas querem nos dizer muitas coisas que não sabemos.

  3. Parabéns, professora. Um texto reflexivo que estimula a percebermos as crianças por diversos olhares.

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