A indignação do atleta Vinicius Junior

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A indignação de Vinicius Jr empresta voz a tantas outras vozes caladas pelo medo, submissão, pela dor e sofrimento devido ao racismo.

O Brasil tem vários atletas construindo suas carreiras no futebol Europeu. A Espanha tem sido, ao longo de muitos anos, o destino dos promissores atletas, alguns ainda muito jovens, mas com grande talento. Vinicius Junior seria mais um atleta a trilhar esse caminho aparentemente glamoroso se não pairasse sobre ele a ameaça do racismo que pode ameaçar a sua presença naquele país.

Os fatos presenciados no domingo passado (21 de maio) explicitam o que acontece há anos nos estádios de futebol do mundo todo, nos quais a rivalidade futebolística esconde uma prática profundamente enraizada no inconsciente coletivo da maioria da população mundial.

O racismo tem se explicitado de diferentes formas, não só nos estádios estrangeiros, mas também nos estádios brasileiros. Vivemos em sociedades racistas e isto tem se explicitado.

Disse o Papa Francisco: “o racismo é um vírus que se transforma facilmente e, em vez de desaparecer, se esconde, mas está sempre à espreita”. As manifestações de racismo renovam em nós a vergonha, demonstrando que os progressos da sociedade não estão assegurados de uma vez por todas.

Esperamos que a indignação de Vinicius Junior incida em um processo de superação dessa prática perniciosa. E, tal indignação é fruto de várias atitudes negadores da sua dignidade. Parece-nos que o copo transbordou. 

O atleta Vinicius Junior, na sua indignação, agiu de duas formas pontuais e extremamente consistentes. Ainda no campo de futebol, no decorrer da partida, ele mostrou ao juiz de futebol, autoridade competente, ao torcedor que o agredira com gestos racistas. Aparentemente não foi ouvido e ainda durante o jogo foi expulso da partida pelo mesmo juiz. Parece ironia. Um atleta em pleno exercício do seu ofício profissional é agredido e ferido em sua dignidade. Minutos depois esse mesmo atleta é declarado, pela autoridade competente com a expulsão, sem condições de continuar na partida. Para os que o poderiam acusá-lo de estar se “vitimizando” sugiro que revejam as imagens do episódio. Devemos louvar o jovem atleta pela atitude corajosa. 

A segunda atitude de Vinicius Jr, circulou nas redes sociais. Esta com dois elementos extremamente potentes escritos por ele. Primeiro acusou o presidente da Liga Espanhola de Futebol (La liga) de conivência e omissão.

Em outras palavras, afirmou que a situação chegou àquele ponto devido às atitudes coniventes do dirigente com práticas racistas, já denunciadas pelo mesmo atleta e por outros desportistas. Denunciou-o por omissão pelo fato de não ter tomado nenhuma atitude contra os atos, o que seria próprio do cargo assumido. Quem deveria ter tomado uma atitude em tempo não o fez. O atleta deu nome aos responsáveis ao afirmar: sei exatamente quem é quem. Em seguida manifestou sua convicção quanto à importância da luta assumida com brio e que seja exemplo a tantos outros em semelhantes situações.

Vinicius Junior disse: tenho um propósito na vida e, se eu tiver que sofrer mais e mais para que futuras gerações não passem por situações parecidas, estou pronto e preparado.  

O jovem que encantou o mundo com o bom futebol testemunha agora a força e a coragem de enfrentar uma chaga presente em todo o mundo, o racismo estrutural. Este precisa ser descontruído porque, além de ferir a dignidade dos homens e mulheres negros, ameaça o seu futuro.

O racismo estrutural tem sido a causa das mortes violentas de jovens negros, da miséria da população negra, da morte prematura de crianças negras e tantos outros males. O que se afirma não são frases soltas no ar. Pesquisas corroboram esta afirmação.

A indignação de Vinicius Jr empresta voz a tantas outras vozes caladas pelo medo, submissão, pela dor e sofrimento devido ao racismo. Sua voz e a voz do sofrimento por uma perseguição vil e covarde. Quantas crianças e adolescentes negros são prejudicados na escola devido ao racismo entranhado nos espaços escolares.

O bullying, expressão em inglês que significa humilhar, perseguir, assediar moralmente, de forma constante e intensa sobre uma pessoa, é sentido secularmente em forma de racismo pelas crianças e adolescentes negros.

O grito de Vinicius Jr, é o grito da indignação. Não toleraria mais tais atos. Um jovem de 22 anos ensina-nos a lutar e deixa-nos um testemunho valioso. Através de seus pés vemos o bom futebol. Através de sua voz ouvimos: basta de racismo. 

Que o clamor indignado do jovem Vinicius Jr, reforce os clamores de tantas outras pessoas e fortaleça a corrente antirracista do mundo todo.

No século passado uma costureira norte-americana chamada Rosa Parker se indignou por ter que ceder lugar a uma pessoa branca como prescrevia a lei. A sua atitude corajosa gerou grande consternação. Ela sofreu pelo ato corajoso. Entretanto, seu gestou gerou uma grande mudança na lei norte americana. 

Que a atitude de Vinicius Junior além de gerar comoção no mundo todo, gere também mudanças, começando por atitudes decisivas de punição para quem é racista. Não possível tolerar tais atitudes em estádios de futebol e em qualquer outro lugar. 

Lembremos o preceito bíblico. Deus nos criou a sua imagem e semelhança (Gn 1,26). Ofender ao semelhante é ofender a Deus. Os bispos latino-americanos e caribenhos reunidos na cidade de Aparecida – SP manifestaram o compromisso da Igreja na superação do racismo. Escreveram: a Igreja denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes expressões, pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada à imagem e semelhança de Deus (DAp 533), uma verdade irrenunciável.

A gravidade da situação lembra a todos que não basta não ser racista. Cabe ser antirracista.  

O racismo é histórico e vigora intenso na sociedade brasileira. Ele se multiplica de muitas formas, desde as mais veladas e dissimuladas até as mais escancaradas e violentas, que asfixiam, sufocam e matam. (Autor Dirceu Benincá) Leia mais: https://www.neipies.com/todo-racismo-e-abominavel/


Autor: Ari Antonio dos Reis

(Grupo de Estudos Negritude e Teologia – Itepa Faculdades)

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