Reflexão crítica sobre a institucionalização “Dia dos Legendários” em Passo Fundo/RS

11

Não seria mais prudente que o Legislativo dedicasse seu tempo e legitimidade parlamentar ao enfrentamento real desses desafios coletivos? Que debates como a oficialização de movimentos religiosos, por mais bem-intencionados que sejam, não tomem o lugar de projetos voltados à habitação, à justiça social, à inclusão dos excluídos!

A recente aprovação pela Câmara de Vereadores de Passo Fundo do “Dia e Semana dos Legendários” como data oficial do calendário municipal desperta uma importante reflexão sobre prioridades legislativas, responsabilidades públicas e os desafios sociais urgentes que atravessam nosso tempo.

Não se trata de desconsiderar o valor subjetivo que o movimento Legendários pode representar para seus participantes — especialmente homens que, muitas vezes, sofrem em silêncio com angústias, frustrações e crises de identidade em uma sociedade adoecida por padrões tóxicos de masculinidade. A proposta de reconectar-se com a natureza e com a espiritualidade pode, sim, oferecer caminhos de autoconhecimento e cura pessoal. Contudo, é necessário um olhar crítico quando tais movimentos são alçados à condição de política pública, sobretudo em uma cidade onde a realidade social grita por atenção concreta e imediata.

Leia matéria e assista vídeo sobre o movimento aqui: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/05/21/camara-de-vereadores-de-passo-fundo-aprova-criacao-e-inclusao-do-dia-municipal-dos-legendarios-em-calendario-oficial.ghtml

Enquanto se debate montanhas, há gente morando sob viadutos.

O aumento exponencial da população em situação de rua em Passo Fundo não é segredo para ninguém. Basta caminhar pelas ruas centrais para ver famílias improvisando abrigo em calçadas, homens e mulheres dependentes de álcool e outras drogas pedindo ajuda, jovens sem horizonte dormindo para cá e pra lá. Muitas dessas pessoas já passaram por “experiências transformadoras” — só que traumáticas: abandono, exclusão escolar, prisões, fome, violências diversas. Essas histórias reais, dolorosas e urgentes, não aparecem nas pautas das sessões legislativas com o mesmo entusiasmo.

A falta de moradia digna, o déficit de políticas públicas habitacionais, a precariedade dos atendimentos em saúde mental, CRAS e CREAS, a desassistência às famílias vulneráveis, o subfinanciamento da educação básica, a ausência de diálogo com comunidades periféricas, tudo isso parece ser tratado com desinteresse ou, no mínimo, com uma escassez alarmante de proposições efetivas.

Não seria mais prudente que o Legislativo dedicasse seu tempo e sua legitimidade parlamentar ao enfrentamento real desses desafios coletivos? Que debates como a oficialização de movimentos religiosos, por mais bem-intencionados que sejam, não tomem o lugar de projetos voltados à habitação, à justiça social, à inclusão dos excluídos!

A política não deve ser lugar de promoção de um nicho, mas sim espaço de inclusão de todos.

Autora: Vera Dalzotto. Também escreveu e publicou no site “O sentido da vida é fazer sentido a outas vidas”: www.neipies.com/o-sentido-da-vida-e-fazer-sentido-a-outras-vidas/

Edição: A. R.

DEIXE UMA RESPOSTA