O triste destino da biblioteca do Pescador de Livros

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Quase uma década depois, o Grupo Ritornelo de Teatro, revive a história e presta reverência à memória de Valdelírio Nunes de Souza, encenando o espetáculo “Chicão: O Pescador de Livros. Chicão e o seu amor pelos livros fez, como poucos, justiça ao nosso título de Capital Nacional da Literatura.

Lamento pela desilusão, mas, invariavelmente, o destino das chamadas bibliotecas pessoais, quando morre o dono, não tem tido melhor sorte do que a dissolução do acervo acumulado, não raro a duras penas, ao longo dos anos, quer seja por doação, venda ou o caminho da reciclagem de resíduos (apenas um eufemismo para lixo).

Dois casos emblemáticos, locais e de 2016, aqui serão usados apenas como exemplos (há outros) e sem qualquer julgamento de valor, servem bem para ilustrar a assertiva do parágrafo anterior.

Um deles envolveu o destino da biblioteca organizada por Valdelírio Nunes de Souza, o papeleiro Chicão, falecido naquele ano, e o outro, que, assim como tantos, por ser de natureza estritamente privada, aqui farei referência apenas como biblioteca do professor A. F.

Créditos: Reprodução RBS TV

A chamada de capa de O NACIONAL, edição de 25 de novembro de 2016, “Do lixo ao lixo”, alertava para o fato de que os livros que formavam a biblioteca que havia sido organizada pelo papeleiro Chicão estavam sendo vendidos como sucata para custear despesas da família, que vivendo em vulnerabilidade social, em um galpão às margens da Rodovia BR 285, e sem alternativas, não via outro caminho que não a venda do acervo de 12 mil obras literárias e didáticas, que, garimpadas por Chicão no lixo ou recebidas por doação, ficavam à disposição dos estudantes e da população do bairro Valinhos.

As notícias sobre o caso Chicão repercutiram.

O professor Ironi Andrade abriu uma conta poupança “Pró-Biblioteca do Chicão” (CEF, Agencia 0494, Conta 4688-1, Operação 13) visando à arrecadação de fundos, e uma reunião coordenada pelo então secretário de Gestão da Prefeitura de Passo Fundo, Diorges Oliveira, com os secretários, na época, de Educação, Edemilson Brandão, e de Cultura, Pedro Almeida (atual prefeito), apoiados pela presidente da Academia Passo-Fundense de Letras, Dilse Corteze, resultou no encaixe da família em um programa de assistência social e a perspectiva de que um espaço físico de uma escola municipal na região seria ampliado para abrigar a biblioteca e um museu para preservar a memória do Chicão. Lamentavelmente, a ideia não prosperou e, em reportagem veiculada na edição de 29 de abril de 2022, O NACIONAL dava destaque que, da singular Biblioteca do Chicão, de 12 mil volumes, restaram cerca de 30 exemplares sob a guarda da filha Luciana Souza.

Quanto ao professor A. F., conheci-o por acaso no corredor de um supermercado local.

Ele se apresentou e disse que era o professor A. F. O nome soou familiar e eu perguntei: O Sr. não é o autor do livro “O Gaúcho dos Campos de Campos de Cima da Serra”. Ele disse sim, e eu informei que um exemplar desse livro, que ele havia dado ao sobrinho G. F., que fora meu colega na Escola Técnica de Agricultura de Viamão, em 1975, havia me acompanhado, não sei como, desde aquela época, tendo-o trazido a Passo Fundo e que, pelo assunto, esse fora incorporado ao acervo do Dr. Pedro Ari Veríssimo da Fonseca.

Ele ficou feliz em saber e me contou orgulhoso do sobrinho G. F., que havia virado empresário bem-sucedido na Serra Gaúcha, e que ele, professor A. F., vivia em Passo Fundo, onde o filho médico exercia a profissão. Até que, um dia, em O NACIONAL, vi o convite para uma missa em memória do professor A. F..

Havia passado pouco mais de um mês, chamou a minha atenção alguns livros sobre a mureta na frente de um prédio na Rua XV de Novembro. Olhei e segui o meu caminho. Duas semanas mais tarde, quando eu me dirigia, antes das 7h, para um exame no HSVP, na frente do mesmo prédio, junto aos containers de lixo, havia uma caixa de papelão cheia de livros. Por um lado, eu me aproximava e, pelo outro, um papeleiro e a sua gaiota. O papeleiro chegou antes. Pegou a caixa e despejou os livros na gaiota. Eu pedi para olhar.

O papeleiro foi gentil e começou a mostrar os livros. Acabei, por módicos R$ 20,00, levando três exemplares: Os Donos do Poder, do Raymundo Faoro, de 1958; Compendio de História do Rio Grande do Sul, do Amyr Borges Fortes, de 1968; e História Geral do Rio Grande do Sul – 1503 – 1957, de Arthur Ferreira Filho, também de 1958. Os demais seguiram o seu destino na gaiota do papeleiro. Abro os livros e vem a confirmação: nos exemplares constava o nome A. F.

Quase uma década depois, o Grupo Ritornelo de Teatro, revive a história e presta reverência à memória de Valdelírio Nunes de Souza, encenando o espetáculo “Chicão: O Pescador de Livros. Chicão e o seu amor pelos livros fez, como poucos, justiça ao nosso título de Capital Nacional da Literatura.

No espetáculo “Chicão, o Pescador de Livros”, os atores Miraldi Junior e Guto Pasini, apresentam uma grande história, talvez nunca antes contada. Como alquimistas, retirando pedaços e costurando os retalhos se transformam em recicladores de histórias e de grandes clássicos da literatura, recriam a jornada épica e torta de Valdelírio Nunes de Souza, o Seu Chicão. Venha viver essa experiência e descobrir como os livros podem mudar destinos! Siga o grupo Ritornelo de Teatro nas redes sociais: https://www.facebook.com/Ritornelo / https://www.instagram.com/gruporitornelo/

Fotos da matéria: Diogo Zanatta.

Autor: Gilberto Cunha. Também escreveu e publicou no site “O cemitério das almas fracassadas”: www.neipies.com/o-cemiterio-das-almas-fracassadas/

Edição: A. R.

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