O triste Estado do Rio Grande do Sul: machista e misógino
I – TRISTES PASSOS
Muitas foram as Marias assassinadas antes de haver o poder punitivo estatal contra estes crimes. Foram anos e anos de violação da vida feminina, com mulheres rebeldes queimadas pela Santa Inquisição.
Mesmo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, mortes e mortes ocorreram.
Tivemos o adultério no Código Penal. O homem podia rejeitar a esposa “adúltera”, enquanto ele frequentava bordéis e sustentava amantes. Adultério não é mais crime. Mas os homens continuam matando mulheres e namoradas, quando estas não se submetem à violência, maus tratos.
Em março de 2021, somos informados que “na pandemia, três mulheres foram vítimas de feminicídio por dia”.
Em agosto de 2021, o Rio Grande do Sul teve aumento de 225% no número de feminicídios. O Estado do Rio Grande do Sul divulgou dados da diminuição da violência em 2021, mas foi obrigado a mostrar que o número de feminicídios aumentou: 97 mulheres foram assassinadas, enquanto em 2020, foram 80, uma alta de 21%.
II – LEI MARIA DA PENHA
Segundo o governo do estado, entre as 97 mulheres assassinadas, apenas 10 tinham medida protetiva de urgência (MPU) – ou seja, praticamente a cada 10 vítimas, apenas uma estava sob o amparo da decisão judicial que obriga o afastamento do agressor, fruto da lei.
O Brasil só criou a Lei Maria da Penha após sofrer constrangimento internacional. Maria da Penha foi um exemplo de mulher humilhada e atacada brutalmente pelo marido que a deixou numa cadeira de rodas.
Em 2006, o projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado e sancionado por Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente na época. A Lei 11.340 ganhou o apelido de Lei Maria da Penha — justa homenagem à mulher que se recusou a aceitar a inércia das instituições e, segundo alguns, “mudou o destino das brasileiras para sempre”. Não foi o que aconteceu. Os infortúnios diários comprovam que ainda se mata por gênero.
III – LEI DO FEMINICÍDIO
Em vigor há quase uma década, a Lei do Feminicídio (13.104/2015) prevê circunstância qualificadora do crime de homicídio e inclui o feminicídio no rol dos crimes hediondos. A lei considera o assassinato que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, reforçando os elementos orientadores da anterior Lei Maria da Penha.
Mesmo com decisões de afastamento, mulheres buscando socorro nas Delegacias, denunciando agressores e abusadores, homens alcançam as mulheres, em suas frágeis proteções.
Estudam-se mecanismos de haver um dispositivo que seja usado pelo agressor para que a mulher saiba de sua aproximação. As tecnologias devem servir às pessoas e não servir para ganhar com as pessoas.
Salientamos em conversas nas comunidades, nas palestras, nos Papos ao Vivo na Internet que as mulheres têm que denunciar e pedir ajuda à família e à sociedade para não serem alcançadas pelos assassinos em potencial.
III – BRUTALIDADE E INTOLERÂNCIA
Simone de Beauvoir tinha razão quando dizia que “toda opressão cria um estado de guerra”. E vai mais longe: “a opressão à quais mulheres são confinadas, de encarceramento no ambiente doméstico é um fator que vai gerar tensão na relação entre os gêneros”.
Marina Colasanti, a imortal da Academia Brasileira de Letras, que nos deixou há pouco produziu uma das crônicas citadas por toda a mídia séria para falar dela. Pinço o que segue:
“A gente se acostuma à violência, e aceitando a violência, que haja número para os mortos. E, aceitando os números, aceita não haver a paz. A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza para preservar a pele.”
Uma mulher de 32 anos foi perseguida e morta a tiros pelo ex-companheiro em frente a um hospital na cidade de São Francisco de Assis (RS), a 430 quilômetros de Porto Alegre. Foram seis tiros, socorrida, chega ao Hospital, e o machista psicopata persegue, dando mais seis tiros.
A disputa pela guarda foi garantida pelo Judiciário para a mãe, agora morta, e que foi assassinada brutal e selvagemente na frente do filho de seis anos. Não há o que comentar sobre o monstro assassino.
O que temos que fazer diante de tal caso é cobrar o cumprimento das leis, que a Justiça mande usar tornozeleira e tudo o que for possível de ser feito para salvaguardar a vida das mulheres. Que haja uma educação ao respeito, atacando o machismo e todas as formas de preconceitos.
O Monitor de Feminicídios no Brasil divulgou os dados atualizados de 2024, revelando um aumento alarmante nos casos de feminicídios em todo o país. Segundo os números mais recentes, foram registrados 750 feminicídios consumados e 1693 casos de feminicídios consumados e tentados até o momento.
IV – RIO GRANDE DO SUL
Os números, analisados pela equipe técnica da Lupa, levam a crer que a curva elevada pode reiterar em 2024: em 2021 foram 99 feminicídios, em 2022 foram 106, em 2023 foram 102, mantendo-se uma média de 8 feminicídios ao mês e 100 feminicídios ao ano no Rio Grande do Sul.
Proporcionalmente à população o Rio Grande do Sul, mostra-se um “locus” de violência e machismo exacerbados.
Na Literatura o nosso admirável João Simões Lopes Neto, no conto “No Manantial” relata o caso da moça, às vésperas de se casar, é “abordada” por um pretendente do qual tinha medo e pavor. Escapa do monstro que a quis tomar à força, corre e entra no manancial e o sujeito vai atrás. Ela morre e só se vê a rosa vermelha que tinha na orelha por sobre as águas turvas do lago, e ele morre aos poucos porque vai se afundando.
Ou seja, neste clássico de nossa literatura já temos um caso dramático, deveria ser lido e ensinado nas aulas de Literatura do nosso ensino médio.
V – A ÚLTIMA CHAGA: SEIS FEMINICÍDIOS NA SEXTA FEIRA DA PAIXÃO
Cristo foi levado ao Calvário e morto. Tudo aos olhos do povo.
Já no Rio Grande do Sul, 2.025 anos depois, seis mulheres foram mortas barbaramente, enquanto a maior parte da população vivia um dia de “retiros, jejuns, rezas e cantos”.
Os assassinos não usaram lanças para dar o estoque de misericórdias, eram facas afiadas, trazidas para matar, jorrar o sangue da inocência nos lares de seis famílias.
Todos os casos o móvel era a vingança, o ciúme, o macho gaudério mostrando seu lado perverso, grotesco e selvagem. Nenhuma das mulheres tinha proteção porque não teriam sido ameaçadas até então.
Ou seja, não mais ameaçam, não mandam recado, eles vêm para matar. E mataram na sexta-feira santa da Paixão.
Centenas de familiares e amigos não tiveram Páscoa. Em vez de busca do ninho do coelho tiveram que ir a busca dos velórios. Todas as lágrimas derramadas não vão mover um passo dos assassinos.
O Estado, a começar pelo governo do Estado, as prefeituras, dado os casos graves de feminicídio no RS deve fazer um trabalho.
Uma manchete de uma semana atrás “festejava” a diminuição dos crimes desta espécie no RS. Mas a “boa nova” ficou não só manchada de sangue. Veio com uma dor mais intensa, nunca antes sentida.
Lembrando que tivemos o caso de três jovens de 13, 14, e 15 anos que tentaram matar uma professora em sala de aula.
Não sei o que falaram padres e pastores nas últimas horas. Espero que eles e a sociedade não se calem. A começar pelas autoridades.
VI – NÃO CALAR JAMAIS!
Este brado é recorrente cada vez que morre uma mulher assassinada por dezenas, centenas e até milhares, mas parece que estas vozes fazem pouco eco, como demostrei acima.
São vários artigos escritos, sem explosões de choros nos cemitérios, são notas e matérias nas TVs.
Hoje de sermos mais ousados e corajosos. Lutar sempre, calar jamais!
Autor: Adeli Sell. Também escreveu e publicou no site “Sobre o envelhecer”: www.neipies.com/sobre-o-envelhecer/
Edição: A. R.