Precisamos estar melhor preparados, quando eventos extremos dessa natureza voltarem acontecer. Tudo indica que os extremos climáticos, de natureza hidrológica, tendem a ficar mais intensos e mais frequentes no Sul do Brasil.
Há um ano, quem vive no Rio Grande do Sul, ficou sabendo, na prática, que o homem, tanto pode afetar o clima do planeta Terra, como, pelo clima, pode ser, drasticamente, afetado. Não foi outra coisa a experiência, dolorosa, vivenciada por muitos gaúchos, no final de abril e começo de maio (perdurando os efeitos ao longo desse mês) de 2024, quando chuvas intensas, sem precedentes, desde que se têm registros meteorológicos sistemáticos na região, deram causa, se não, até então, ao maior, a um dos mais devastadores eventos hidrológicos extremos registrados no Brasil.
Um rastro de destruição, quem viveu lembra, foi o legado deixado pela enchente de 2024 no Rio Grande do Sul. Cicatrizes ainda podem ser vistas na paisagem natural (cerca de 15 mil movimentos de massa nas encostas diagnosticados) e em infraestruturas não totalmente reparadas. Foram 250 trechos de rodovias e 140 pontes danificadas (alguns ainda por restaurar) e diversas residências destruídas. Aeroporto Salgado Filho fechado.
A Capital do Estado, Porto Alegre, sitiada. E, a pior conta, 183 mortes confirmadas, 27 desaparecidos, 806 feridos e 15 mil casos de leptospirose. Em meio a prejuízos vultosos contabilizados na agricultura e nos setores industrial, de comércio e de serviços.
Para marcar o aniversário de um ano da trágica efeméride do clima, não faltaram eventos, nesse começo de outono de 2025, para discutir o assunto, em momento que, no Rio Grande do Sul, diferente de 2024, quando a maioria dos municípios gaúchos havia decretado situação de emergência ou estado de calamidade pública, por causa de enchentes, neste ano, a situação é inversa, com 319 municípios (dos 497, em 7 de maio de 2025) já tendo noticiado situação de emergência, desta feita, por estiagem.
A Embrapa Uva e Vinho, junto com instituições parceiras, produziu uma publicação de suma importância para a Serra Gaúcha, drasticamente afetada por deslizamentos de encostas em 2024, que, a partir de minucioso diagnóstico, permitiu a proposição de estratégias para mitigar riscos de chuvas extremas na região.
Está disponível para download gratuito em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1175257?locale=pt_BR
O projeto “RS: Resiliência & Sustentabilidade”, promovido pela então Secretaria para Apoio à Reconstrução do RS (SERS), do governo federal, em cooperação com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), cujo encerramento deu-se no dia 14 de março de 2025, em Porto Alegre, no Salão de Atos da UFRG, com conferência magna e lançamento do livro “RS: Resiliência & Sustentabilidade – reflexões para a reconstrução do Rio Grande do Sul”, também disponível para download gratuito em: https://portal.fespsp.org.br/store/file_source/FESPSP/Documentos/RS/reflexao.pdf.
Eu destacaria, a par de todos, cuja importância não se discute, o lançamento do estudo realizado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), no dia 30 de abril último, em evento transmitido ao vivo por meio do canal da ANA no YouTube (ainda disponível em https://www.youtube.com/live/3SAuNYYIKbM), sob o título “As Enchentes no Rio Grande do Sul – Lições, Desafios e Caminhos para um Futuro Resiliente”.
Eis um documento cuja leitura deveria ser obrigatória, para quem almeja entender o ocorrido no Estado e, acima de tudo, quer ou tem a responsabilidade de evitar que tragédias dessa natureza venham se repetir.
A publicação “As Enchentes no Rio Grande do Sul – Lições, Desafios e Caminhos para um Futuro Resiliente”, chancelada pela ANA, foi organizada pela passo-fundense Ana Paula Fioreze (filha dos queridos professores Zélia Guareschi Fioreze e Irineo Fioreze).
Muitos pontos, até então obscuros sobre a enchente de 2024, nela, restaram esclarecidos.
Não deixa margem para dúvidas que o aumento de desastres naturais associados a precipitações e cheias extremas deve ser incorporado à nova gestão de riscos climáticos, reconhecendo-se que a intensificação das chuvas e vazões extremas na Região Sul do Brasil pode ser, em parte, creditada à mudança do clima.
Que, em 2024, a área da Bacia Hidrográfica da Lagoa dos Patos foi a mais atingida, em vez da Bacia do Rio Uruguai. E, comparada com a enchente de 1941, a maior até então conhecida, seja em inundação, extensão e duração, a enchente de 2024 foi superior (2024 x 1941): 5,37 m x 4,75 m (nível máximo do Guaíba no Cais Mauá); 2 dias x 10 dias (número de dias para a subida das águas Guaíba inundar Porto Alegre); e 30 dias x 20 dias (duração das cheias na região metropolitana de Porto Alegre).
Resumindo, precisamos estar melhor preparados, quando eventos extremos dessa natureza voltarem acontecer. Tudo indica que os extremos climáticos, de natureza hidrológica, tendem a ficar mais intensos e mais frequentes no Sul do Brasil.
Autor: Gilberto Cunha. Também escreveu e publicou no site a crônica “Charlie Brown e Snoopy discutem o acordo de Paris”: www.neipies.com/charlie-brown-e-snoopy-discutem-o-acordo-de-paris/
Edição: A. R.