“Temos dois caminhos: o caminho do bem e o caminho do mal. A escolha é nossa! Escolhemos o caminho do bem participando do projeto. Antes tinha gente que queria nos ensinar coisas ruins, mas escolhemos vir para cá e aprender a ser alguém na vida. ”

Em 2009 o projeto Transformação em Arte passou a se mostrar a principal alternativa para muitas crianças da Vila Popular, em Passo Fundo. Resultado de uma parceria entre a Cáritas Diocesana, Notre Dame, Assec, ISAFA e Instituto Menino Deus o projeto atende dezenas de crianças e adolescentes no turno inverso da escola. Com idades entre 6 e 14 anos e vivendo em situação de vulnerabilidade social, os pequenos não titubeiam para responder o que o projeto é para eles: uma segunda casa.

Com quase uma década de existência o trabalho desenvolvido é desconhecido de muitos passo-fundenses. No bairro de casas humildes um grande pavilhão chama a atenção de quem passa: no início dos turnos é possível ver dezenas de alunos, sorridentes, chegando ao local. Das 8 às 9hs é o momento para as crianças relaxarem antes da aula. Um copo de achocolatado com bolachas ou pão é servido, já que como relatado pelos pequenos “sem energia a gente não consegue aprender”. O cardápio varia de acordo com as doações que recebem.

O restante do turno é dedicado ao aprendizado. Durante a semana são oferecidas aulas de música, capoeira, inclusão digital e dança além das atividades casuais, oferecidas por voluntários. Antes de irem para casa mais um lanche é oferecido aos jovens e se as doações estiverem de vento em popa, cada aluno leva para casa uma sacola com pão, bolachas ou outro alimento. As ações desenvolvidas e organizadas pelo projeto que atende no nº 99 da Rua Havaí são coordenadas pela Irmã da Congregação Salvatoriana, Inês Sartori.

A religiosa que trabalhou mais de três décadas no ensino privado conta que com o tempo começou a sentir falta de ajudar a comunidade de forma direta. Quando surgiu a oportunidade não teve dúvidas e pediu redirecionamento para o TransformAção em Arte, no qual atua desde a criação. Com o passar dos anos ela virou referência na Vila Popular, lugar ao qual se dedica de coração. Os moradores retribuem esse carinho e a consideram uma mãezona não só das crianças, mas também das famílias que passaram a contar com as doações arrecadadas por ela.

Um novo caminho

As aulas não são a única forma de conhecimento que Irmã Inês e sua equipe oferecem aos pequenos. A religiosa afirma que ali eles estão aprendendo a ser alguém na vida. Valores são discutidos com as crianças a todo momento e conforme Inês a maior preocupação não é o assistencialismo, mas prepará-los para o trabalho e para a vida. “Queremos que eles possam andar com suas próprias pernas. Que percebam que é possível uma outra vida”, diz. Lembra ainda que o reforço escolar oferecido se torna fundamental para atingir esses resultados.

Cristopher, Bianca, Wesley, Bruno e Nataly tem entre 11 e 13 anos e acordam cedo para acompanhar as atividades oferecidas. Eles que não titubeiam ao dizer que o TransformAção é a sua segunda casa. A parte mais legal do projeto? A Irmã Inês! – Dizem os pequenos enfatizando que suas vidas de pouco mais de uma década mudaram muito desde que começaram a frequentar o projeto. “Queremos ser alguém na vida, trabalhar, sermos bem-sucedidos e com os pés no chão. Antes do projeto ninguém aqui pensava nisso, só ficava pela rua sem fazer nada”, afirmam.

A leitura e a escrita melhoraram depois das aulas em que trabalham textos. Sonhadores, pedem para “colocar na matéria” que gostariam muito de ter aulas de reforço em português e matemática, matérias que mais sentem dificuldade para aprender. Querem saber todas as coisas, como são, como deve ser ou não ser, são curiosos! E são novas pessoas desde que começaram a frequentar o espaço. Sonham ainda com um professor de educação física e oficinas de dança de rua, grafitti e artes.

Suas perspectivas de vida mudaram completamente e se antes passavam o tempo vago atirando pedras em casas, hoje passam ajudando no planejamento e na leitura dos salmos e preces da celebração que acontece na igreja da comunidade. Veem a religiosa como referência “a Irmã Inês é uma pessoa muito gentil, uma segunda mãe. Ela puxa nossas orelhas, mas a gente sabe que é para o nosso bem. Para nos educar e sermos alguém na vida”, confessam.

Após completarem 14 anos os jovens são inseridos no mercado de trabalho. Atualmente 18 ex-alunos estão trabalhando com a indicação da Irmã Inês e tendo uma vida completamente diferente da que a realidade em que estavam inseridos lhe oferecia.

Aprendizado para quem ensina

As aulas oferecidas no turno inverso da escola buscam não só formar artistas, mas educar e preparar essas crianças para enfrentar o mundo que os espera. A experiência com os alunos é engrandecedora para quem se doa nessa troca de vivências. O estudante de filosofia Vinicius Luiz Balbino dá aulas de inclusão digital e conta que as lembranças da própria infância em um bairro periférico de Minas Gerais fizeram com que se interessasse pelo projeto.

Ele acredita que através da educação e da ajuda do próximo é possível mudar a vida dessas crianças e fazer a diferença no futuro delas. “Vi que estava fazendo a diferença no dia que eu dobrei na esquina do pavilhão e vários alunos vieram correndo para me receber e gritando -professor! Professor! ”, conta.

Para Vinícius a felicidade deve ser compartilhada e ajudar o próximo tem muito mais valor do que coisas materiais. “Eu acho que a felicidade não está só em mim, está em todos. A felicidade é compartilhada e quando a gente chega aqui e vê que está fazendo a diferença na vida deles, dá para chegar em casa e dormir tranquilo”, confidencia sorrindo.

Todo dia no projeto é uma evolução na vida das crianças da Vila Popular. Conforme o professor de música Eduardo Augusto da Silva a permanência deles faz com que o projeto cresça cada vez mais e o número de crianças na rua seja cada vez menor. Trabalhando com materiais diferentes do que estava acostumado, já que no TransformAção em Arte a percussão é feita com materiais recicláveis, Eduardo pontua que suas aulas contam com planejamento, pratica e teoria. As aulas de música expandem, proporcionam concentração, coordenação motora, além da criatividade e o trabalho em equipe.

O músico vê como fundamental a realização do projeto na comunidade. Para ele as atividades oferecidas podem transformar a vida das crianças “Dentro dessas oficinas é possível descobrir talentos. No tempo que estou aqui já pude perceber que evoluíram no aprendizado sim, mas principalmente no comportamento. Esse projeto é essencial para eles. O futuro dessas crianças depende do que acontece aqui”, elucida.

Geração de renda para as famílias

O projeto também se preocupa com as famílias da Vila Popular e em parceria com a Cáritas mantém uma oficina de costura em que os produtos vendidos complementam a renda de mulheres da comunidade. O Grupo de Geração de Renda São Francisco é unido pela solidariedade e ajuda mútua. A equipe é coordenada pela professora aposentada Vilma da Veiga, de 77 anos.

O grupo confecciona estopas que são comumente utilizadas em postos de gasolina e oficinas mecânicas no valor de R$4 o quilo, além de camas para cachorros que variam entre R$50 e R$90. A venda dos produtos é feita direto na Vila Popular, além da Feira do Bourbon e da Cáritas. O pagamento das participantes é feito de acordo com a produção realizada no mês.

O trabalho é realizado em conjunto aceita doações de tecidos do tipo Oxford ou Gorgurinho e linhas de costura. Vilma atua voluntariamente no grupo e diz sentir-se muito bem ajudando o próximo. “O evangelho prega a solidariedade, a ajuda, a partilha, do jeito que a gente pode. O voluntariado faz parte do meu ser e acho que todo mundo devia procurar um espaço desses para ver que a vida tem muito mais sentido. Vale a pena ficar velha trabalhando para ajudar os outros”, confessa.

Campo de Futebol

Dos planos para 2016 a construção de um campo de futebol em frente ao pavilhão que abriga o projeto é o mais comentado pelas crianças. O terreno foi cedido por um amigo do projeto e agora Irmã Inês passa a arrecadar doações e mobilizar voluntários para que o sonho se torne realidade. “Queremos fazer um campo de futebol e futuramente, quem sabe, uma praça. Já temos o terreno, agora só falta o resto”, comenta a religiosa que não mede esforços para melhorar a Vila Popular.

AJUDE O TRANSFORMAÇÃO

Doações são sempre bem-vindas no TransformAção em Arte, sejam de alimentos, tecidos para costura, para o campo de futebol ou até mesmo o tempo de quem tem algo para ensinar aos pequenos. Os interessados em conhecer melhor a proposta ou em adquirir as caminhas de cachorro e estopas produzidas pelo projeto pode entrar em contato pelo telefone (54) 9912 1807 (Irmã Inês) ou direto no local (Rua Havaí, 99, Vila Popular).

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