Todos falam, mas nem todos são ouvidos e bem compreendidos.
E é lamentável que muitos acreditem que escutar os outros é perder tempo.
Perdem-se, então, muitas possibilidades de vida, liberdade e realização humanas.

 

Os bons “escutadores” andam sumidos e fazem muita falta no atual momento histórico. Quando temos poucos dispostos a nos ouvir, criamos diferentes maneiras de comunicar as nossas alegrias, dores e angústias de ser humano, como também nossas bestialidades. Amplia-se, então, geralmente, ainda mais nossa incompreensão por parte dos outros.

Rubem Alves é autor do texto “Escutatória”. Conheci escritos do autor nos anos 90, durante os meus estudos de ensino médio, por uma grande professora estadual da disciplina de literatura e nunca mais deixei de lê-lo.

 

 

Temos necessidade de comunicar aquilo que nos incomoda, que nos irrita, que nos prende a nós mesmos. Falar sempre é um ato libertador, porque nos permite uma melhor compreensão de nós mesmos e dos outros. É também constante busca de compreensão, pois viver na eterna incompreensão gera desilusão e descrença nas possibilidades humanas.

Nossos relacionamentos interpessoais tornaram-se desacreditados, controversos e complexos porque, na sua maioria, são interesseiros.

Comunicamos o que nos convém comunicar. Ouvimos, interpretamos e falamos aquilo que nos traz status e reconhecimento social, sem nos importar como os outros nos vêem, nos sentem ou nos percebem. E nem sempre medimos o que falamos.

Não existe emancipação do ser humano sem uma boa comunicação. E o privilegiado exercício da fala e da escuta torna consciente o que somos, o que pensamos e o que sentimos. Mas é um caminho arriscado que muitos temem percorrer, porque falar verdadeiramente aos outros sobre a gente mesmo significa desnudar-se, expor-se, abrir-se. Muito bem contemporiza Charles Brown Jr. numa de suas canções: “se perguntarem prá você/ o que falar sobre si mesmo o que dirá?/ dirá que sabe o que não sabe/ tudo aquilo que jurou nunca dizer, por quê? pra quê?”.

As verdadeiras amizades e os relacionamentos sinceros engrandecem a vida do ser humano, tornando-o mais expansivo, mais aberto e mais liberto de suas angústias e sofrimentos. Geram confiança, imprescindível na fala e na escuta. Esta confiança, por sua vez, não nasce do acaso. Nasce como conquista, na lealdade, franqueza e sinceridade e vai se constituindo em relações de reciprocidade entre as pessoas.

Como nos revela, o exercício da fala também nos amadurece, nos torna mais sábios e mais conscientes no uso das palavras. Já disse Aristóteles: “o sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz”.

Mude suas palavras, mude seu mundo. Em “O cego e o publicitário”, uma estratégia diferente, bolada por um publicitário, para o cego comunicar-se e pedir ajuda: “é um lindo dia e eu não posso vê-lo”. Emocionante!

 

 

Falar bem não é só uma questão de estética, construção gramatical ou retórica, mas é uma arte que nos exige ponderação, discernimento, bom senso, coragem, leitura de realidade, análise do contexto, consideração e respeito ao outro a quem dirigimos nossa mensagem. Sim, porque o que conta, afinal, é ser bem compreendido e bem interpretado.

 

Em outro artigo, escrevo: “os problemas de comunicação, em especial dos que sofrem com gagueira, constituem-se problema social, uma vez que interessam a todos.

O ser humano é especialista em compensar. Sem compensar não sobreviveria, porque se não é possível ser bom em tudo, é necessário ser bom e útil em alguma coisa. Por isso a gente se faz gente “agarrando-se” ao que tem de bom, em coisas que tem facilidade e que nos rendam reconhecimento dos outros.

Veja mais.

 

Seres humanos realizam-se plenamente quando sujeitos, emancipados e livres.

Permitir possibilidades da fala e da escuta aos outros é mais do que um gesto democrático e de cidadania. É, antes de tudo, uma atitude pedagógica que permite a cada um reconhecer-se como sujeito de pensamento e de ação.

Todos falam, mas nem todos são ouvidos e bem compreendidos. E é lamentável que muitos acreditem que escutar os outros é perder tempo. Perdem-se, então, muitas possibilidades de vida e de liberdade.

Quem fala se liberta e quem escuta permite a si mesmo e aos outros que o mundo e as consciências se alarguem, permitindo que aconteça o que é a maior busca de todos: a felicidade e a realização.

 

 

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