As mulheres não são propriedade de legisladores, nem de religiões,
nem de instituições, nem de maridos e companheiros, mas são sagradas em sua dignidade.
Há que pedir licença, há que amar, há que respeitar de uma vez por todas aquelas
que trazem em si a sabedoria do mundo.

 

Acostumei-me à ideia de que todos sabem o que convém a nós mulheres. Fui uma criança educada em colégio de freiras, devota católica e filha exemplar em um lar alemão. É pouco?

Conheci a opinião dos homens desde cedo por ter sido uma criança “escutadora” e atenta a comportamentos e às hierarquias socialmente construídas. Acostumei-me a mulheres “culpadas” por tudo, principalmente pela condição de serem mulheres.

Ouvi vezes demais durante a infância, que as meninas são culpadas pelos pecados dos meninos, que o futuro feminino depende do seu comportamento recatado e que obedecer é pressuposto para a felicidade. E obedeci a tudo considerando os deslizes e pecadinhos infantis como falhas morais imperdoáveis. Nem as confissões obrigatórias foram capazes de deixar minha alma “branca como a neve”. Um massacre do qual os meninos passaram batido.

A trajetória da mulher, mesmo que não se perceba, é marcada pelo autoritarismo com que ela é tratada. Tenho observado a luta travada pelas feministas, entre as quais me incluo, por respeito ao seu corpo. Inclui-se nessa luta o direito por decidir sem que seu corpo seja invadido como se fosse uma coisa parecida com terra de ninguém.

O ativismo feminino é transformador. No ocidente do século XX, as mulheres conquistaram o direito de votar, de estudar, de trabalhar ao lado dos homens, de conquistar um lugar em todas as instâncias sociais e políticas, tendo hoje todos os seus direitos assegurados. Há ainda resquícios machistas, que tolhem os plenos direitos que elas conquistaram com tanto fervor.

Ativismo, uma necessidade! – Sueli Ghelen Frosi

Os partos são, em grande medida, a materialização de que temos donos, muitos donos. Submetem parturientes a procedimentos sem que elas façam parte das decisões.  Cortam períneos, úteros, usam fórceps, permitem trabalhos de parto intermináveis, cujo resultado é muita dor, sangramentos, crianças machucadas e a sensação de que o corpo deve aceitar toda sorte de escolhas que raramente são compartilhadas.

As mulheres estão à mercê de quem quiser invadi-las. Estupros e assassinatos acontecem todos os dias, deixando rastros de traumas, gravidezes, doenças, sangue e infelicidade. Cantadas, gracinhas, piadinhas, alfinetadas e perguntas indiscretas são alguns ingredientes que acompanham a trajetória feminina aviltando a dignidade ainda longe de ser consagrada.

Todo dia, de uma forma tão frequente, acabamos naturalizando todo tipo de barbaridade que a sociedade nos submete. E aí, você ia querer ser mulher numa sociedade como esta?

Todo mundo quer ser mulher?

As discussões sobre aborto são surreais, chegando-se às raias de negar atendimento digno a mulheres vítimas de estupro. Àquelas cuja gravidez é inviável é imputada a pecha de assassina de incapaz, ao invés de merecer acolhimento e compaixão. Cabe às mulheres tomar em suas mãos as decisões que dizem respeito ao seu corpo, pressuposto mais do que civilizatório.

As mulheres não são propriedade de legisladores, nem de religiões, nem de instituições, nem de maridos e companheiros, mas são sagradas em sua dignidade. Há que pedir licença, há que amar, há que respeitar de uma vez por todas aquelas que trazem em si a sabedoria do mundo.

Os corpos femininos já encharcaram o mundo com seu sangue e com suas lágrimas. Sejam bem-vindos os homens feministas, que de tão maravilhosos, são muito mais homens do que seus pares movidos pela prepotência machista.

 

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