Com mais de 65 mil terreiros o Rio Grande do Sul é o Estado onde mais se registra o crescimento destas religiões e apesar de não haver dados concretos sobre Passo Fundo, a estimativa é que existam mais de 200 templos na cidade. Apesar do grande número de adeptos, nos últimos meses a cidade registrou  casos de intolerância religiosa, sendo  dois deles em escolas da rede municipal de ensino.

 

No mês de setembro de 2017, o som de atabaques ressoava no centro de Passo Fundo, num dos seus principais parques, o parque da GARE. No lugar de bombachas e vestidos de prenda, dezenas de pessoas usando roupas brancas e cantando por um mundo com mais paz, amor e respeito.

De acordo com o representante dos Guerreiros do Axé, Baba Akinelé, o objetivo da ação era trazer presente para os passofundenses que as diferenças religiosas devem ser tratadas com respeito. O movimento prestou solidariedade aos casos de intolerância religiosa crescentes no país, com maior destaque no Rio de Janeiro e na Bahia. Akinelé afirmou que apesar de a manifestação ser em solidariedade aos povos de terreiro que estão tendo seus templos invadidos por criminosos no Rio de Janeiro, o cenário em Passo Fundo merece atenção.

“Infelizmente vem crescendo os números de intolerância religiosa no nosso município. É perceptível a intolerância velada e o que mais nos preocupada é quando ela parte do poder público, a intolerância institucionalizada, o preconceito institucionalizado.

Cada vez mais a gente trabalha e luta para mobilizar os povos de terreiro para buscarmos a conscientização no sentido de exigir o nosso direito constitucional e através do poder público dialogar para que se avance em políticas públicas e ações afirmativas em defesa do nosso povo, contra a intolerância religiosa,” disse o babalorixá, que ressaltou a importância de ter uma Coordenadoria de Igualdade Racial ativa no município.

O biólogo Alexandre Giusti é iniciado há pouco tempo na religião. Ficou sabendo da mobilização e foi mesmo sem conhecer muitas das pessoas que estavam ali. Para ele a intolerância pode ser vista em todas as esferas da sociedade brasileira, sendo a religiosa somente mais uma delas.

“Acho triste esse momento que passamos no Brasil. A intolerância é um reflexo do ego nas pessoas. Seja na política, na sexualidade, no relacionamento, no dia a dia… Essa é só mais uma demonstração da competição que vivemos no planeta e um ato destes mostra que não estamos sozinhos”, encerra, lembrando que o respeito é a única maneira de transpassar todas as situações geradas pela falta de conhecimento sobre as crenças do próximo.

Gabriela Alves de Oliveira frequenta a doutrina espírita e não conhecia as religiões de matriz africana. Ela foi surpreendida pela movimentação no espaço público da cidade.

“Eu achei muito legal e me senti muito acolhida. É extremamente visível o amor dessas pessoas, sua união. Dá para ver o amor que eles têm por aquilo que acreditam e eu, que não conhecia, fiquei com vontade de conhecer mais, ”confessa a veterinária. 

 

Intolerância é crime!

O termo intolerância religiosa descreve a falta de habilidade ou a vontade em reconhecer e respeitar diferenças ou crenças religiosas de outras pessoas e isso é considerado crime no Brasil desde janeiro de 1989, quando foi sancionada a Lei Nº 7.716. A punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou nacionalidade.

A pena é reclusão de um a três anos, além de multa. No ano 2007 foi instituído o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado no dia 21 de janeiro. A data é incluída no Calendário Cívico da União conforme a Lei Nº 11.635.

Para a socióloga representante do Conselho Estadual de Povos de Terreiro Mãe Carmem, a intolerância sempre existiu, mas sempre foi camuflada. Lembrou que em 1912 no episódio que ficou conhecido como “Quebra de Xangô” pais e mães de santo tiveram seus terreiros destruídos e tinham que se esconder para não serem mortos. Intolerância motivada por questões políticas foi o motivo da barbárie que parece se repetir tanto tempo depois.

“Somos de paz e o nosso deus é o mesmo deus que criou as coisas visíveis e invisíveis. Essa perseguição, mais pelas igrejas neopentecostais que estão nos assolando, nos marginalizando, que estão tirando nosso sangue, é simplesmente por uma intolerância religiosa, racial. Um meio de um movimento disseminar o povo negro, já que estão destruindo o lugar onde foi guardada a oralidade dos nossos saberes religiosos.

Estar nesta praça hoje é acima de tudo resistência. Nos colocarmos nos ambientes culturais onde a gente possa mostrar um pouquinho de nós, o que acreditamos, nossos saberes. Queremos mostrar que somos de paz que somos todos iguais independente das nossas crenças” afirma Carmem.

 

Passo Fundo intolerante

Vídeos registrados no Rio de Janeiro e na Bahia por facções criminosas ligadas à igreja pentecostal, em que bandidos aparecem obrigando pais e mães de santo -sob a mira de uma arma- a destruírem seus templos sagrados, repercutiram nas redes sociais.

Mas nem sempre a intolerância é praticada por fanáticos armados. Na maioria das vezes velada, aparece nos olhares, nas atitudes e na maneira como as pessoas agem ao conviverem com alguém que usa as roupas ou elementos da religião.

Em casos que merecem ainda mais atenção, a intolerância também pode aparecer na escola. Não só por parte dos alunos que tenham crença diferente, como por parte dos educadores que não contam com preparo para trabalhar com a diversidade religiosa apresentada em sala de aula.

Sou pela diversidade! A diversidade das culturas, das crenças e das diferentes maneiras de viver e ser pode ter espaço nas escolas públicas de nosso país. Antes tarde que seja tarde, a sociedade precisa definir se o futuro será democrático ou fundamentalista. A religião tem um peso relevante neste contexto em que duelam democracia e fundamentalismo! (Nei Alberto Pies, professor e escritor)

Estado laico, promotor de conhecimento das diferentes religiões

Com mais de 65 mil terreiros o Rio Grande do Sul é o Estado onde mais se registra o crescimento destas religiões e apesar de não haver dados concretos sobre Passo Fundo, a estimativa é que existam mais de 200 templos na cidade. Apesar do grande número de adeptos, nos últimos meses a cidade registrou três casos de intolerância religiosa, sendo dois deles em escolas da rede municipal de ensino.

O integrante do grupo Guerreiros do Axé Ipácio de Bará aponta que a diversidade está dentro da escola e por isso deve ser trabalhada com responsabilidade.

“Isso é muito sério, pois começa a minar o desrespeito dentro do espaço de formação das crianças e isso se reflete no cenário que estamos presenciando: templos sendo invadidos por bandidos, assassinatos de pais e mães de santo, homens bomba do outro lado do mundo… Isso é muito grave! O preconceito adoece quem sofre dele e mais que isso: ele mata. Queremos mais que tolerância, queremos respeito e reconhecimento. Existimos como religiosos e a constituição nos legitima e nos dá o direito de cultuar a nossa fé, ” desabafa o babalorixá.

De acordo com Ipácio já foram tomadas iniciativas e ações que visem coibir casos de intolerância religiosa no município junto à Secretaria Municipal de Educação e a municipalidade.

Matéria publicada no Jornal impresso Rotta, de Passo Fundo, RS.

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